
Estudei anos num colégio jesuíta. Graças aos padres aprendi a coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa, o esforço de pensar de modo claro e distinto, o respeito pelas meninas, ao mesmo tempo em que crescíamos num ambiente no qual Eros nunca foi demonizado; enfim, só tenho coisas boas para dizer sobre meus anos de escola jesuíta. Cresci numa escola na qual, durante a semana, discutíamos como um "mundo mau" pode ter sido criado por um Deus bom. No final de semana, íamos à praia todos juntos, dormíamos lá, meninos e meninas, em paz, namorando, e enchíamos a cara. Noutro final de semana, o mesmo grupo ia a favelas ajudar doentes. Tive, numa pequena amostra, uma prova do enorme papel civilizador da igreja e do cristianismo como um todo no mundo.
Dizer que a igreja padece de males humanos e que compartilhou de violência de todos os tipos é óbvio demais para valer a pena um minuto de reflexão. Em jargão teológico, essa "dupla personalidade de bem x mal" não é bipolaridade moral, mas uma dupla identidade: a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (voltado a Deus, à eternidade, inserido no mundo assim como Deus encarnou num homem, Jesus). Portanto, não sou um desses ateuzinhos que, no fundo, não passam de "teenager" bravo porque o pai não existe. Parafraseando o grande Beckett, "God does not exist --that bastard!" (Deus não existe --aquele bastardo!).

Num mundo de sensibilidade democrática, ninguém quer saber de nada a sério. A "afetação infantil" (Bessa-Luís, de novo) nos define. O "povo é sempre lindo e certo!". Na democracia, a soberania do governo emana do povo; daí que achar que o "povo é sempre lindo" é um efeito colateral deste modo da soberania. Logo, todo o mundo só quer agradar, e Bento 16 não quis agradar, quis falar a sério. Sucumbiu às intrigas palacianas, à inércia da estupidez do mundo de ruídos e baladas metafísicas.

Nem o papa aguentou. Preferiu "fracassar como Sócrates" a vencer como um demagogo feliz. No início da quaresma (período em que devemos refletir sobre nossos demônios), denunciou com sua renúncia o mais velho demônio da igreja: a política.
Por Luiz Felipe Pondé - 18/02/2013 - Folha de SP
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1232124-nem-o-papa-aguentou.shtml
Excelente artigo.
ResponderExcluirPara quem quer saber mais detalhes sobre a renúncia:
http://padrepauloricardo.org/episodios/a-renuncia-do-santo-padre-e-proximo-conclave
Muito obrigado por sua participação!
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