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O objetivo deste blog é discutir idéias, expor pontos de vista. Perguntar mais do que responder, expressar mais do que reprimir, juntar mais do que espalhar. Se não conseguir contribuir, pelo menos provocar.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A RESSURREIÇÃO DA FILOSOFIA NO BRASIL

Historicamente, a filosofia se situa entre o laboratório e o templo. Enquanto o cientista é o escravo dos fatos e o sacerdote é o servo da fé, o filósofo é filho da liberdade de pensamento e sua atividade intelectual não encontra limites. A função essencial da filosofia, mais do que oferecer respostas, é formular perguntas. Ela não se rende, de antemão, nem ao experimento nem ao milagre e submete um e outro ao escrutínio da razão — desconfiando da própria racionalidade. Isso faz com que a dúvida seja o alimento essencial do filósofo, não para negar a verdade, mas para buscá-la em sua pureza, mesmo sabendo que, no mais das vezes, essa é uma missão inglória. Buscar a verdade é tarefa de Sísifo, o personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra até o topo de um monte apenas para vê-la rolar outra vez ao chão, tendo de repetir para sempre o esforço inútil.
 
Mas, em sua luta vã com a verdade, o filósofo antigo iluminava o mundo. Desde que os gregos emanciparam a filosofia da religião, ousando questionar os deuses, o filósofo libertou ao máximo a força criativa do homem, contribuindo para o advento da ciência e a consolidação das instituições políticas. Basta lembrar que, entre 343-342 a.C., Aristóteles foi convidado por Felipe da Macedônia para ser o preceptor de Alexandre, o Gran­de, então com 13 anos de idade. “Aristóteles, desejando renovar suas antigas relações com a corte macedônica e atribuindo grande importância à educação de futuros soberanos, como podemos ver na ‘Política’, aceita o convite”, conta o filósofo escocês William David Ross (1877-1971) em sua obra sobre Aristóteles, publicada em 1923.

Segundo W. D. Ross, pouco se sabe sobre a educação que Aristóteles ministrava a seu pupilo, mas acredita-se que provavelmente tratava de Homero e dos trágicos, cujo estudo constituía o fundamento da educação grega. Além disso, Aristóteles compôs para Alexandre uma obra sobre a monarquia e outra sobre as colônias, temas de especial interesse para o futuro imperador. Mas, com o avanço da ciência, o conhecimento se tornou cada vez mais especializado e o filosofo perdeu esse lugar social de codificador do saber. Cada vez mais, a filosofia tende a se ver como uma espécie de juízo sobre a própria capacidade do conhecimento humano, tendência que ganharia força com as decisivas contribuições de David Hume (1711-1776) a esse ramo da filosofia.

Uma cultura de comentadores 
Há centenas, senão milhares de definições de filosofia. Elas são quase tão numerosas quanto os pensadores ao longo dos séculos, pois cada filósofo tende a definir a filosofia à sua imagem e semelhança. Em seu monumental “Diccio­nario de Filosofia”, o filósofo espanhol José Ferrater Mora (1912-1991), citando Josef Pieper, observa que, “enquanto perguntar ‘Que é a física?’ não é formular uma pergunta pertencente à ciência física, senão uma pergunta prévia, perguntar ‘Que é a filosofia?’ é formular uma pergunta filosófica — uma pergunta eminentemente filosófica”. Dessa forma, conclui Ferrater Mora, “cada sistema filosófico pode valer como uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e também acerca do que a atividade filosófica representa para a vida humana”.
Todavia, como sustenta o filósofo italiano Nicola Abbagnano (1901-1990), também autor de um “Dicionário de Filosofia”, a despeito da disparidade de significações de “filosofia”, é possível reconhecer nelas algumas constantes, entre as quais, segundo ele, “a que mais se presta a relacionar e articular os diferentes significados desse termo é a definição contida no ‘Eutidemo’ de Platão: filosofia é o uso do saber em proveito do homem”.
 
E assim chegamos a Olavo de Carvalho — o homem que ressuscitou a filosofia no Brasil. Sim, talvez sem exagero, pode-se atribuir a ele esse feito — o de repor a filosofia no seu curso natural preconizado por Platão, isto é, como “uso do saber em proveito do homem”. Antes de Olavo de Carvalho, a filosofia brasileira estava confinada às universidades, transformada em atividade eminentemente historiográfica, como denunciou o filósofo equatoriano, radicado em Goiás, Gonçalo Armijos Palácios no delicioso e antológico “De Como Fazer Filosofia Sem Ser Grego, Estar Morto ou Ser Gênio”, opúsculo de 74 páginas originalmente publicado pela Universidade Federal de Goiás em 1997.
 
“Ainda não há no Brasil — lamentavelmente — uma cultura de filósofos e sim uma cultura de comentadores”, dizia taxativamente Gonçalo Palácios na primeira edição de seu livro, que teve edições revisadas posteriormente. Além de ser declaradamente de esquerda, o que o põe quase a salvo da patrulha politicamente correta, Gonçalo Palácios dispõe de inegável autoridade para criticar os problemas da academia: tem dois doutorados em filosofia, um no Equador e outro nos Estados Unidos, e é professor titular da Universidade Federal de Goiás desde 1992, ocupando vários cargos de direção e pesquisa na instituição. Ninguém pode negar que ele conhece a academia por dentro.
 
Isso torna insuspeita sua contundente avaliação sobre o ensino de filosofia no País. No opúsculo citado, Gonçalo Palácios sustenta: “A academia não produziu uma cultura filosófica brasileira, mas uma subcultura dependente, quase que absolutamente, do que se faz em culturas estrangeiras (às custas do dinheiro público, permita-me dizer)”. E reitera: “Não me passa pela cabeça dizer que se deve fazer uma filosofia ‘brasileira’. Só exijo que se faça ‘qualquer’ filosofia, mas que se faça, se produza, filosofia ‘no’ Brasil". É o que Olavo de Carvalho se propôs a fazer e fez — talvez, por isso, seja tratado como réprobo nas universidades brasileiras.
 
Dedo em riste na cara do leitor
Ao contrário dos filósofos acadêmicos, que se limitam a “fazer leitura” e “trabalhar conceitos”, geralmente de um só autor, Olavo de Carvalho volta sua mente para problemas reais e tenta solucioná-los à luz de uma inegável erudição filosófica, sem medo de ser acusado de ecletismo. Paulista de Campinas, onde nasceu em 1947, é autor de uma vasta obra filosófica, que inclui “O Jardim das Aflições”, talvez sua obra-prima, publicado já em forma de livro e não como coletânea de artigos esparsos. O livro, que reflete sobre o surgimento do Império mundial, nasceu como uma espécie de tréplica ampliada de uma palestra sobre Epicuro proferida no Masp pelo filósofo José Américo Motta Pessanha (1932-1993), idealizador da Coleção “Os Pensadores” da Editora Abril.
 
É ainda autor, entre outras obras, da “Coleção História Essencial da Filosofia”, publicada pela Editora É Realizações em 32 volumes, acompanhados de DVD com palestras do autor com aproximadamente 120 minutos cada uma. Mas, para o bem ou para o mal, o Olavo de Carvalho mais conhecido é o dos polêmicos artigos de combate, reunidos primeiramente no livro “O Imbecil Coletivo”, que deu fama ao autor quando publicado em 1996, seguido de um segundo volume.
 
Escrevendo com extrema graça, ironizando os adversários e rindo de si mesmo, Olavo de Carvalho se firmou como um polemista imbatível na década de 90. Houve um momento em que escrevia regularmente nos jornais “O Globo”, “Zero Hora” e “Jornal da Tarde”, colaborava com a “Fo­lha de S. Paulo” e publicava nas revistas “Bravo” e “Primeira Lei­tu­ra”. Atualmente, reside nos Es­ta­dos Unidos e colabora com o “Diá­rio do Comércio”, da As­sociação Comercial de São Paulo.
 
Foi desse manancial de artigos que saiu “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota” (Editora Record, 2013, 616 páginas), o mais novo livro de Olavo de Carvalho, que reúne 193 artigos do filósofo publicados entre 1997 e 2013, tratando dos mais variados temas. Ao contrário de “O Imbecil Coletivo”, que remete a uma entidade na terceira pessoa, o novo livro é um dedo em riste na cara do leitor chamando-o, sem meios-termos, de “idiota”. Se tivesse sido organizado pelo próprio autor, poderia ser considerado até deselegante. Mas a organização da obra é do jornalista, tradutor e articulista Felipe de Moura Brasil, que decidiu criar, à sua maneira, uma espécie de enciclopédia “Olavo de Carvalho”. Colaborador do “Mídia Sem Máscara” e autor do bem-humorado “Blog do Pim”, Felipe Moura Brasil escreve com graça e estilo. 
 
Tão importante quanto se ter num só livro dezenas de artigos antológicos de Olavo de Carvalho é saber que essa coletânea foi elaborada por um jovem de vinte e poucos anos, dono de uma precoce maturidade intelectual. Como o próprio Felipe Moura Brasil explica na introdução do livro, “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota” é mais do que uma simples compilação de artigos; é sim, “uma compilação de temas essenciais — todos eles renegados à obscuridade no país —, sobre os quais os artigos vêm lançar luz, importando para a seleção menos a data e o veículo em que foram publicados do que o potencial de cada um em iluminar esses temas”. Felipe Moura Brasil diz que a seleção de textos é resultado de seus estudos da obra de Olavo de Carvalho e conta ter priorizado os textos mais sintéticos.
 
O peso da vanguarda revolucionária
Os artigos foram agrupados por temas, começando pelos que dizem respeito à formação do indivíduo, como “Juventude”, “Co­nhecimento” e “Vocação” e prosseguindo com aqueles que tratam de sua participação na sociedade, como “Democracia”, “Socialismo” e “Militância”. Cada tema engloba três ou mais artigos, como “Re­volução”, com oito subtemas, cada um com vários artigos. Um dos temas forma um verdadeiro capítulo do livro, que o organizador intitulou “In­telligentzia (“Ou Pode Chamar de Máfia”). É nesse tema que se enfeixa o artigo “Abaixo o povo brasileiro”, publicado em 24 de agosto de 2009 no “Diário do Comércio”, em que Olavo de Carvalho sustenta: “Nunca o abismo entre a elite falante e a realidade da vida popular foi tão profundo, tão vasto, tão intransponível. Tudo o que o povo ama, os bem-pensantes odeiam; tudo o que ele venera, eles desprezam; tudo o que ele respeita, eles reduzem a objeto de chacota, quando não de denúncia indignada, como se estivessem falando de um risco de saúde pública, de uma ameaça iminente à ordem constitucional, de uma epidemia de crimes e horrores jamais vistos”.
 
Essa afirmação do filósofo foi motivada por uma pesquisa da Universidade Federal de Per­nambuco, mostrando que 81% dos jovens universitários discordavam da liberação da maconha e 76% eram contra o aborto, numa prova inconteste de que o povo brasileiro — como qualquer povo mentalmente saudável — é conservador. Mas, como Olavo de Carvalho insiste em denunciar em dezenas de artigos, esse caráter conservador do povo — que abrange até os jovens universitários — não tem qualquer representação política, pois o PSDB é o máximo de “direitismo” que a esquerda dominante admite. 
 
Escreve Olavo de Carvalho no artigo citado: “Quando uma vanguarda revolucionária professa defender os interesses econômicos do povo mas, ao mesmo tempo, despreza a sua religião, a sua moral e as suas tradições familiares, é claro que não quer fazer o bem a esse povo, mas apenas usar aqueles interesses como chamariz para lhe impor valores que não são os dele, firmemente decidida a atirá-lo à lata de lixo se ele não concordar em remoldar-se à imagem e semelhança de seus novos mentores e patrões”.
 
O filósofo alerta: “É precisamente isto o que está acontecendo. Jogam ao povo as migalhas do Bolsa-Família, mas se, em troca dessa miséria, ele não passa a renegar tudo o que ama e a amar tudo o que odeia, se não consente em tornar-se abortista, gayzista, quotista racial, castrochavista, pró-terrorista, defensor das drogas e amante de bandidos, eles o marginalizam, excluem-no da vida pública, e ainda se acreditam merecedores da sua gratidão porque lhe concedem de quatro em quatro anos, democraticamente, generosamente, o direito de votar em partidos que representam o contrário de tudo aquilo em que ele crê”.
 
Filósofo é pai da nova direita
Em 2014, por exemplo, essa história vai se repetir. Pesquisa Datafolha, publicada na segunda-feira, 14, mostra que a quantidade de eleitores identificados com valores de direita é bem maior do que de esquerda. Enquanto a direita reúne 49% da população, a esquerda representa apenas 30% — apesar de todo o bombardeio ideológico esquerdista nas universidades, imprensa, cinema, música, telenovelas etc. Mas, como adverte a própria reportagem da “Folha de S. Paulo” sobre a pesquisa, isso produz pouco impacto nos índices de intenção de voto para presidente no próximo ano. A presidente Dilma Rousseff lidera nos três espectros ideológicos, alcançando de 49% a 56% das intenções de voto entre os eleitores de esquerda; de 40% a 42% entre os de centro-esquerda; de 41% a 43% entre os de centro; de 38% a 41% entre os de centro-direita; e de 36% a 39% entre os de direita.
 
O novo livro de Olavo de Carvalho — considerado um filósofo de direita, em consonância com essa maioria pesquisada pelo Datafolha — entrou na lista dos dez mais vendidos. É uma prova de que sua luta quase solitária na década de 90, que por um momento parecia inglória, rendeu frutos. Olavo de Carvalho é uma espécie de pai da nova direita intelectual brasileira, que já dispõe de alguns expoentes na imprensa nacional, como o jornalista Rei­nal­do Azevedo, o economista Rodrigo Constantino, o filósofo Luiz Felipe Pondé, o historiador Marco Antonio Villa e o filósofo Denis Lerrer Rosenfield. É claro que essa classificação não é rigorosa e, num país politicamente normal, é possível que todos os articulistas citados, inclusive Constantino, pudessem ser qualificados no centro do espectro ideológico. Mas no país em que até o esquerdista José Serra é tachado de liberal, alguém precisa fazer o papel da direita, mesmo sabendo que os rótulos são reducionistas.
 
Foi Olavo de Carvalho quem abriu caminho para todos esses articulistas. O sucesso de livros como “O Imbecil Coletivo” mostrou aos editores de jornal que havia espaço para um pensamento liberal e conservador, de caráter mais transcendental, diferente do liberalismo de Paulo Francis, materialista até as vísceras e, por isso mesmo, mais próximo da esquerda do que aparentava. Mas o fato de já existirem meia dúzia de liberais e conservadores escrevendo regularmente na imprensa não significa que a hegemonia da esquerda está prestes a ser quebrada. O advento dessa nova direita é sobejamente compensado pela ideologização a plenos pulmões da OAB e do Judiciário, que flertam cada vez mais com o fascismo de esquerda, travestido de politicamente correto.
 
Olavo de Carvalho e as universidades
Por isso, iniciativas como a do embrionário Partido Novo, que se coloca à direita do espectro político, estão fadadas ao fracasso, como alerta, aliás, o próprio Olavo de Carvalho. A hegemonia eleitoral da esquerda não será quebrada enquanto o País não produzir intelectuais conservadores e liberais com capacidade para influir nas instituições. Olavo de Carvalho fez e faz muitos discípulos, mas sua obra continua à margem das instituições de peso. Ninguém sabe de sua existência na escola básica e, no ensino superior, seu nome é temido ou desprezado. Na imprensa, seus artigos entram como um contraponto exótico ao politicamente correto, na cota do “outro lado” — papel que, por sinal, o excelente Luiz Felipe Pondé volta e meia assume de bom grado, o que me parece um grave erro.
 
Apesar de seu sucesso, o livro “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota”, longe de romper a barreira da academia em relação à obra de Olavo de Carvalho, pode até reforçá-la. O organizador do livro, apesar de resgatar o filósofo por trás de cada artigo do polemista, faz uma interpretação autoral de sua obra, algo que os acadêmicos detestam. Felipe de Moura Brasil trata Olavo de Carvalho com a admiração que os escolásticos devotavam a Aristóteles, o que, para uma universidade intoxicada de Marx e Foucault, é uma heresia, ainda que a obra de Olavo de Carvalho já tenha começado a penetrar timidamente nos cursos de pós-graduação. Mas que aluno terá coragem de citar na sua bibliografia um livro que traz na lombada a palavra “idiota” em caracteres gigantescos? Pode ser mais um pretexto para o professor marxista banir Olavo de Carvalho da cátedra. Só Marilena Chauí xinga a classe média de “desgraça” e continua desfrutando de respeito na academia. Um exemplo da tímida penetração de Olavo de Carvalho na academia é a dissertação de mestrado de Alex Antonio Peña-Alfaro, defendida na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Pernambuco em 2005, em que o autor utiliza fartamente o livro “Aristóteles em Nova Pers­pectiva”. Mas o único trabalho acadêmico dedicado exclusivamente a uma obra de Olavo de Carvalho ainda é a dissertação de mestrado de Lucas Patschiki, defendida na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em que o autor analisa o sítio “Mídia Sem Máscara”, criado pelo filósofo, e o enquadra entre os “cães de guarda da classe dominante”. 
 
Como se vê, ainda deve demorar para que a obra de Olavo de Carvalho, sobrepondo-se às paixões ideológicas, fale à razão dos acadêmicos. Nesse dia, o mínimo que se poderá saber sobre Olavo de Carvalho é que ele não é o “profeta” de alguns de seus discípulos nem o “astrólogo” da maioria de seus detratores — é apenas um grande filósofo e um grande escritor. E isso é o máximo que um pensador pode almejar.
 
 
Por:  José Maria e Silva (Sociólogo e Jornalista).
Publicado no Jornal Opção.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O RIO, A RÃ E O ESCORPIÃO

Querido leitor, que você esteja bem. Esta metáfora também é da Tradição Maoísta Chinesa. Pela sua simplicidade e profundidade, compartilho com você com o objetivo de suscitar uma reflexão sobre nosso cotidiano.

Um escorpião caminhava em silêncio por um estradão de terra. Andou quilômetros sem encontrar qualquer obstáculo no seu caminho, até que chegou a uma ponte de pedra já gasta pelo tempo. No meio dela, viu que a parte central tinha caído e que não conseguia passar para o outro lado.

Ficou muito tempo pacientemente à espera na margem do rio até que apareceu uma rã que nadava rio abaixo. O escorpião dirigiu-se a ela e disse: “Rã, a ponte caiu e eu não consigo nadar. Não me levas para o outro lado às tuas costas?”

A rã lançou um ar hostil contra o bicho e disse: “Se eu te levasse às minhas costas, certamente tu me picarias e eu morreria!”. Ato contínuo, o escorpião respondeu-lhe enfaticamente: “Não faria uma coisa dessas. Tu não vês que se fizer isso, também vou me afogar?”

Como isso fazia todo o sentido, a rã, embora relutantemente, pensou, ponderou e decidiu enfim levar aquele pobrezinho animal, agora indefeso, para o outro lado do rio. Nadou até à margem e deixou que o escorpião subisse para as suas costas. Só depois disso é que a rã começou a nadar para a outra margem, agora finalmente mais descontraída.

Apesar da correnteza, apesar da água turva e até mesmo do peso às costas, a rã seguia firme o seu objetivo altruísta. De repente sentiu uma dor aguda nas costas! Abriu mais ainda os olhos e os virou para trás para olhar incredulamente o escorpião. “És louco!” gritou desesperada a rã, que continuou: “Não sabes que assim vamos ambos morrer? Porque fizeste tamanha besteira?”. O escorpião respondeu: “Porque é essa a minha natureza”.

Você já refletiu sobre isso? Qual será natureza humana? Ou melhor, será que há uma só natureza humana? Será que somos bons por natureza? Ou será que o homem é o lobo do homem? Ou será que horas somos um e horas somos outro? Qual a sua natureza?

Lembrando que isso é assim para mim hoje.


Por: Beto Colombo - 14/10/2013
 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

AS REDES SOCIAIS E OS PROCESSOS SELETIVOS

Transcrição do comentário de Max Gehringer para a rádio CBN sobre a pergunta de um ouvinte: "Sou estudante universitário e em breve começarei a participar de processos seletivos. Sei que vou ser avaliado em todos os aspectos possíveis. E pergunto qual é a influência de estar, ou não, em redes sociais? Eu não tenho o meu perfil em nenhuma delas e estou em dúvida se isso atrapalha ou ajuda."

Boa pergunta. Ampliando a sua questão e incluindo nela, por exemplo, uma tatuagem ou cabelos tingidos de verde, nada atrapalha, desde que você tenha uma explicação convincente a oferecer.

No caso das redes sociais, muitas empresas, e principalmente as maiores, têm usado os perfis da rede como ferramenta de seleção. Na maioria dos casos, mais para eliminar candidatos do que para contratá-los. Fotos em poses pouco ortodoxas ou textos pouco civilizados, já eliminam um pretendente.

Agora, se uma empresa procurar o seu perfil e não encontrá-lo, tudo vai depender do perfil pessoal de quem está fazendo essa busca profissional. Se for alguém viciado em redes sociais, pode achar que você é antissocial e que não tem amigos nesse mundo. Já se for uma pessoa discreta, ela poderá deduzir que você quer preservar a sua intimidade e está satisfeito com os amigos analógicos que tem e, portanto, não está muito interessado em amigos virtuais.

A melhor solução talvez seja o meio-termo, que é a criação de um perfil que não lhe comprometa, com uma foto simpática e com a inclusão de alguma atividade ligada à responsabilidade social, que as grandes empresas apreciam. Ou se você ainda preferir ficar fora das redes, não se preocupe. O perfil virtual só é um fator determinante em um processo seletivo se o candidato se exceder nas postagens.
 


Max Gehringer, para CBN - 22/10/2013.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

MENTI NA SAÍDA E ME ARREPENDI

Transcrição do comentário do Max Gehringer para a rádio CBN no dia 15/10/2013: "Estou me sentindo desconfortável. Faz três meses, pedi demissão da empresa em que trabalhava. Ao comunicar o motivo de minha saída, eu disse a meu gerente que iria abrir meu próprio negócio. Ele me incentivou e até me liberou do aviso prévio para que eu pudesse começar mais rapidamente. Acontece que eu menti. Na verdade, aceitei uma proposta para trabalhar em um concorrente direto. Agora não consigo dormir direito, de tanto remorso, por ter contado a mentira que contei. Meu gerente já sabe que estou aqui. Você me recomendaria conversar com ele e, sei lá, pedir desculpas? Como você acha que ele reagiria?"

Bom, quanto a primeira parte, sim. Você deve fazer um contato com o seu gerente se isso for ajudá-lo a tirar um pouco de peso da sua consciência. E, de preferência, por escrito: uma carta ou um e-mail. Sem entrar em muitos detalhes, para não se comprometer além da conta, escreva que você lamenta o que ocorreu em sua saída e que se sente mal por isso.

A segunda parte, a da reação do seu gerente, é mais fácil de antever. Ele não irá lhe responder e nem atenderá se você decidir ligar só para saber se ele recebeu a sua mensagem. Ele foi enganado, numa situação em que não precisava ser.

Então, tudo está dentro da normalidade. É normal que você esteja arrependido. E é normal que o seu gerente ignore a sua mensagem. Mas ela poderá ser útil algum dia, quando, eventualmente, alguma empresa ligar para esse gerente pedindo informações sobre você. Ele já saberá que você é um pouco melhor do que demonstrou ao sair, e talvez amenize a avaliação que fará sobre a sua conduta.


Max Gehringer, para CBN - 15/10/2013
 

domingo, 13 de outubro de 2013

UMA ALMA EM AGONIA

Outro dia, dirigindo pelo trânsito de São Paulo, ouvi uma música da Lana del Rey que me chamou atenção, pela ideia que nela se repetia: o medo sentido por uma mulher de ser abandonada por seu amado um dia, quando sua beleza e juventude acabassem e restasse apenas sua "aching soul" (sua alma em dor ou em agonia). Uma letra romântica banal, como todo clichê.
 
Mas quem em sã consciência negaria que essa mesma letra banal descreve a dor de todos nós, homens e mulheres que envelhecem e perdem a beleza dia após dia? Acredito mais nessa letra de música do que em inúmeros textos sofisticados sobre "relações entre sexo, afeto e poder". Cada dia que passa, temo pela irrelevância dos estudos acadêmicos das chamadas ciências humanas, devido ao que o intelectual americano Thomas Sowell chama de alienação da classe "ungida" que somos nós, os intelectuais.
 
Essa música seria facilmente acusada de repetir a "ideologia dominante" (para mim, esse conceito tem a mesma validade de dizer que algo acontece porque Saturno está na casa sete...) e de que esse medo é simplesmente "culpa" da opressão do conceito de beleza capitalista ou sexista. Pensar que cultura pop seja simples sintoma da "ideologia dominante" é ser incapaz de enxergar o óbvio.
 
A vida é clichê, por isso, temo, revistas femininas logo serão mais relevantes no debate sobre comportamento e afetos contemporâneos do que estudos acadêmicos. Seria essa, afinal, a vingança do jornalismo, muitas vezes menosprezado por nós, intelectuais, contra a soberba dos ungidos que nada entendem das agonias de carne e osso? Talvez a condição de escrever sob o gosto de sangue e de saliva que tem a trincheira da vida real dê às revistas femininas mais consistência do que as elaborações sem corpo dos especialistas em afetos.
 
O filósofo Francis Bacon (séculos 16-17) tirava sarro da "baixa escolástica" e suas questões sobre quem puxava o burro, quando se puxava um burro com uma corda, se era a pessoa ou a corda que puxava o burro... (risadas?). Penso que, em 500 anos, rirão de nós da mesma forma quando se diz hoje em dia que o medo de uma mulher (ou de um homem) de ser abandonada é sintoma de "opressão social", e que pessoas emancipadas não sofrem com isso. O conceito de opressão virou um grande fetiche dos intelectuais.
 
Suponho que assim como os textos de Sade (considerado lixo no século 18) hoje são parte do cenário filosófico, em 500 anos as revistas femininas serão mais importantes para a compreensão do que pensamos hoje do que toda a parafernália de teorias sobre "relações de poder".
Um adendo: vale salientar que Sade não ficou importante porque é o ancestral de toda teoria que relaciona sexo à perversão, mas sim porque ele relaciona sexo, afeto e a crueldade de nossa natureza humana e da natureza biológica como um todo.
 
Talvez um dos maiores medos humanos e que move o mundo desde sempre seja justamente o medo de perder a beleza e a juventude, e se restará alguém ao nosso lado quando formos apenas uma alma em agonia. Já que as ciências humanas mentem, a esperança é que as revistas femininas falem a verdade que não quer calar: ao final, temos mesmo é medo de sermos feios e mal-amados.
 
Por fim, recomendo vivamente o livro "Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo" (Nova Fronteira), de Nelson Rodrigues, escrito sob o pseudônimo de Myrna, sua rápida coluna de 1949 no "Diário da Noite". Esta "mulher" Myrna é uma sábia. Falaremos dela em 500 anos.
 
Revistas femininas e autores como Nelson Rodrigues são acusados de moralismo. Antigamente o moralismo relacionava sexo, afeto e demônios. Incrível como não se vê que hoje o verdadeiro moralismo está nas teorias que relacionam as formas comuns (dos meros mortais) de afeto e sexo a "frutos da opressão da mulher".
 
Aprendemos a negar nosso medo com teorias sofisticadas, mas o medo sempre aparece. Ficou chique dizer que se é emancipado, quando na realidade nem só de liberdade vive o desejo, mas também de pecado, medo e vergonha. Como dizia Nelson, "o desejo também precisa de seu claustro".
 
 
Por: Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 07/10/2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

ADOLESCÊNCIA: ATÉ QUANDO?

A adolescência sempre foi um conceito bem complexo de se abordar. Nem mesmo os estudiosos conseguiram chegar a um conceito único a respeito dessa fase do desenvolvimento. Quando ela começa e quando termina? Quais suas características principais? Tem relação direta com a idade e/ou com fenômenos biológicos ou a estes devemos acrescentar, necessariamente, os sociológicos e os psicológicos? Muitos estudos foram realizados, mas estes nunca chegaram a ter unanimidade entre si. Alguns afirmaram que sim, essa é uma fase coincidente com a puberdade, enquanto outros que é um fenômeno exclusivamente sociocultural; tivemos inclusive autores que consideraram a adolescência uma síndrome --ou seja, um conjunto de sintomas-- normal. Por mais que pareça estranha essa última ideia, muitos estudos foram realizados nesse sentido, principalmente pela psicologia.
 
Mesmo com tanta complexidade e divergências, alguns elementos eram tidos como referências por quem, de algum modo, se dedicava a trabalhar com os mais novos. A adolescência era considerada um período que compreendia a busca de identidade e o autoconhecimento; que era marcado pela busca de pares, o que provocava o distanciamento dos pais; e era nesse período que ocorria a explosão da sexualidade em sua forma adulta.
 
Algumas outras ideias, como a mudança da noção do tempo --que passava a ser conjugado no passado, presente e no futuro-- e a busca de segurança e de estabilidade --emocional, afetiva, pessoal, profissional, por exemplo-- juntavam-se às primeiras e formavam um conceito que, na prática, caracterizava o comportamento dos adolescentes.
 
Pois bem: esse conceito, já tão complexo, passou a ficar cada vez mais irreconhecível a partir do final do século 20. É que o mundo adulto foi invadido pela busca da felicidade e da juventude, entre outras coisas, o que transformou muito o comportamento de quem já tinha maturidade. Dessa maneira, características antes creditadas apenas a adolescentes passaram a fazer parte da vida adulta também. A impulsividade, o imediatismo, a busca do prazer e da liberdade e o comportamento de risco, por exemplo, passaram a ser fatos corriqueiros na vida dos mais velhos.

 
Ao mesmo tempo, as crianças passaram a perder a infância cada vez mais cedo e seus interesses, seu comportamento, suas vestimentas, sua vida social e a linguagem usada ficaram cada vez mais parecidas com as dos adolescentes. Por isso, a notícia que saiu dias atrás que, agora, a adolescência deve ser considerada um período que vai até os 25 anos não é nenhuma novidade. Já faz tempo que constatamos que a adolescência começa cada vez mais cedo e termina cada vez mais tarde. Quando termina! Por isso, não deve estar longe o tempo em que a adolescência vai se tornar um conceito obsoleto. Vai deixar de ser um período da vida para ser um estilo de vida. O nosso.
 
Se isso é bom ou não, só saberemos mais tarde. Pagamos para ver: essa é uma expressão que se aplica muito bem a essa questão. Entretanto, precisamos considerar a possibilidade de a maior parcela dessa conta poder ser debitada aos adolescentes de fato. Pelo menos, como eram considerados antes de todas essas mudanças.

 
É que eles podem olhar para nós e perceber que, depois de chegarmos à vida adulta, decidimos retornar; e podem até concluir que nem vale a pena experimentar essa tal vida adulta, não é?
 

Por: Rosely Sayão - Folha de SP

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

VIDA MODERNA

Sempre que penso em comprar um novo laptop, escuto especialistas sobre o assunto. E, falando com eles, reparo que todos obedecem ao mesmo roteiro: elegem a marca e o modelo; elogiam as proezas do bicho; e depois, quando já estamos a salivar por ele, concluem: "Mas o melhor é você esperar mais um pouco." Eis o raciocínio do especialista tecnológico: o mundo avançou muito; mas é melhor esperar mais um pouco. Há sempre uma novidade para breve que transforma a novidade de hoje em puro lixo amanhã.
 
O refrão é tão conhecido que eu pasmo com a quantidade de aparelhos que ainda se vendem no mundo inteiro. Será que as pessoas não sabem que é melhor esparar mais um pouco?O iPhone é um caso: meses atrás, cedi à tentação e comprei o dito. Conclusão: não esperei mais um pouco. Agora, o meu celular serve apenas para limpar os vasos sanitários na empresa de Steve Jobs porque já existe um novo modelo - melhor, mais barato - a circular por aí.Eu próprio, aliás, já pensei em trocar o velho pelo novo. Mas quando pergunto opiniões, todos respondem o mesmo: é melhor eu esperar mais um pouco.
 
Uma colega americana veio trabalhar para Lisboa e, até ao momento, a característica dos lusos que mais a espantou foi o "pequeno-almoço" ("café da manhã", para a galera). Diz ela que, nos países onde já trabalhou (Estados Unidos, Inglaterra e República Tcheca), existe um padrão comum: a pessoa acorda; toma o pequeno-almoço; sai para o trabalho - exactamente por essa ordem. Em Portugal, não é assim. A pessoa acorda e sai para o trabalho. Pausa. Segue-se meia-hora de conversas/telefonemas/emails. Nova pausa. Só então há tempo para a primeira refeição do dia.

Por outras palavras: tomar o pequeno-almoço não é um acontecimento prévio ao horário de trabalho. Pelo contrário: faz parte desse horário e ocupa, sem exageros, uma fatia importante do primeiro turno. Curiosamente, ela disse-me tudo isso a meio da manhã, quando eu tomava o meu primeiro café e comia o meu primeiro croissant. Ligeiramente embaraçado, só me ocorreu uma mentira antropológica: "Ah, mas existem outros países assim. O Brasil, por exemplo."
 
Perdão, gente, foi em desespero de causa. Mas, aqui entre nós, terei mesmo contado uma mentira?
 
No aeroporto:
Estou sentado junto à porta de embarque, ainda encerrada. O voo será daqui a 45 minutos. Mas, à minha frente, os passageiros já estão em pé e começam a formar fila quilométrica para entrar. Mistério. Eu entenderia esta extravagância se, por hipótese, voos lotados deixassem metade dos passageiros em terra. Ou essa metade tivesse que ir no porão. Se assim fosse, eu próprio passaria a noite no aeroporto para evitar o suplício. Ou subornaria alguém só para conseguir um lugar, como acontece nos ônibus do Quénia ou nas viagens de trem pela Índia.
 
Mas como explicar esta paixão dos seres humanos por filas idiotas quando os lugares já estão reservados? Será que eles pensam que existe sempre a possibilidade do avião fugir antes da hora? Conclusão: deixo todo mundo entrar e depois, vagarosamente, levanto-me e entro eu.
 
Claro que, sendo o último a entrar, existem sérias hipóteses de não ter espaço para arrumar a bagagem. Mas as aeromoças são sempre prestáveis, esmagando as malas dos outros com a minha mala retardatária. Agora, sim, prontos para a decolagem, comandante.
 
 
João pereira Coutinho - Folha de SP
Fonte: http://aloysiot.blogspot.com.br/2013/10/vida-moderna.html
 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

APRESENTAÇÃO "QUADRADA"

Transcrição do comentário de Max Gerhringer para a rádio CBN, do dia 23/08/2013:Uma ouvinte escreve: "Em minha empresa são feitas reuniões mensais, em que um representante de cada área apresenta às demais áreas, os resultados do mês anterior. Por decisão da empresa, os apresentadores não devem ter nível gerencial. Segundo nos foi dito, isso é para ajudar quem um dia poderá chegar a uma gerência, a aprender desde já como fazer apresentações.

Para a próxima reunião, fui indicada para fazer a apresentação da nossa área: finanças. E tenho duas preocupações. A primeira é que essa será a primeira apresentação que farei na vida. E a segunda é que a minha área é meio quadrada: são apenas números. Não é como vendas, marketing e produção, cujos apresentadores sempre têm boas histórias para contar. O que eu faço?"


Vamos lá. A melhor apresentação de finanças que eu vi em minha vida foi feita por uma jovem, que ganhou a atenção da plateia com uma providência até elementar, mas que ninguém havia pensado em fazer antes dela. Em vez de mostrar o balancete no estilo tradicional, aquele que toda empresa usa, ela listou as despesas por ordem de valor, do maior para o menor.

Em seguida, ela abriu os detalhes de uma conta que toda empresa tem, chamada de "Outros Gastos", que é um saco sem fundo, porque reúne uma porção de despesas que quase ninguém se preocupa em analisar com cuidado, porque o próprio nome da conta, "Outros", passa a impressão de que são gastos sem importância.

Ao final, a jovem foi muito aplaudida. Simplesmente porque mostrou, em cinco minutos, que não existem áreas quadradas por natureza. E que criatividade não é privilégio de ninguém.

Max Gehringer, para CBN - 23/08/2013.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

TEORIA DA JANELA QUEBRADA

Há alguns anos, a Universidade de Stanford (EUA), realizou uma experiência de psicologia social. Deixou duas viaturas idênticas, da mesma marca, modelo e até cor, abandonadas na via pública. Uma no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e a outra em Palo Alto, uma zona rica e tranquila da Califórnia. Duas viaturas idênticas abandonadas, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local. Resultou que a viatura abandonada em Bronx começou a ser vandalizada em poucas horas. Perdeu as rodas, o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, a viatura abandonada em Palo Alto manteve-se intacta.
 
Mas a experiência em questão não terminou aí. Quando a viatura abandonada em Bronx já estava desfeita e a de Palo Alto estava há uma semana impecável, os pesquisadores quebraram um vidro do automóvel de Palo Alto. O resultado foi que se desencadeou o mesmo processo que o de Bronx, e o roubo, a violência e o vandalismo reduziram o veículo ao mesmo estado que o do bairro pobre. Por quê que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro supostamente seguro, é capaz de disparar todo um processo delituoso? Evidentemente, não é devido à pobreza, é algo que tem que ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
 
Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma idéia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, como de ausência de lei, de normas, de regras. Induz ao “vale-tudo”. Cada novo ataque que a viatura so fre reafirma e multiplica essa idéia, até que a escalada de atos cada vez piores, se torna incontrolável, desembocando numa violência irracional.
 
 
Baseados nessa experiência, foi desenvolvida a ‘Teoria da Janela Quebrada’, que conclui que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Ao  quebrar-se um vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente serão quebrados todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, então ali se gerará o delito. Ao  cometer-se ‘pequenas faltas’ (estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade ou passar com o sinal vermelho) e as mesmas não são sancionadas, então começam as faltas maiores e delitos cada vez mais graves. Se se permitem atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando estas pesso as forem adultas. Se os parques e outros espaços públicos deteriorados são progressivamente abandonados pela maioria das pessoas, estes mesmos espaços são consequentemente ocupados pelos delinquentes.
 
A Teoria da Janela Quebrada foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova York, o qual se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade. Começou-se por combater as pequenas transgressões: lixo jogado no chão das estações, alcoolismo entre o público, evasões ao pagamento de passagem, pequenos roubos e desordens. Os resultados foram evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer do metrô um lugar seguro.
 
Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria da Janela Quebrada e na experiência do metrô, impulsionou uma política de ‘Tolerância Zero’. A estratégia consistia em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à Lei e às norm as de convivência urbana. O resultado prático foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de Nova York.
 
A expressão ‘Tolerância Zero’ soa a uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança. Não se trata de linchar o delinqüente, pois aos dos abusos de autoridade da polícia deve-se também aplicar-se a tolerância zero. Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito.Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana. Essa é uma teoria interessante e pode ser comprovada em nossa vida diária, seja em nosso bairro, na rua onde vivemos.
 
A tolerância zero colocou Nova York na lista das cidades seguras.
 
Esta teoria pode também explicar o que acontece aqui no Brasil com corrupção, impunidade, amoralidade, criminalidade, vandalismo entre outras. Reflita sobre isso!
 
 
Do Blog Clínica Alamedas - Autor não identificado.