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O objetivo deste blog é discutir idéias, expor pontos de vista. Perguntar mais do que responder, expressar mais do que reprimir, juntar mais do que espalhar. Se não conseguir contribuir, pelo menos provocar.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

TEXTO SEM CONTEXTO


Na semana passada abri o Facebook para postar o texto da semana e percebi que fui marcado numa imagem. Abri a imagem e junto a ela havia um texto bastante longo que falava sobre as palavras imutáveis da Bíblia, ou seja, que as palavras do texto Bíblico devem ser entendidas à risca. Uma das frases do texto: “Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo ou contrato alguém para fazer a vontade de Deus?” Essa é apenas uma das muitas frases que apontam a literalidade do entendimento bíblico. Cito ainda outro trecho do escrito: “Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a minha esposa ? Eu tenho receio que ela se ofenda comigo”. Esse texto me fez refletir sobre princípios básicos que fazem da Filosofia Clínica uma ferramenta tão objetiva.
 
Uma das bases essenciais para o entendimento de qualquer pessoa para a Filosofia Clínica é a historicidade, ou seja, para os filósofos clínicos todo ser humano é dotado de história. A história é contada pela própria pessoa ao terapeuta que apenas ouve atentamente a construção de uma auto biografia. É claro que ao longo da narrativa alguns dados serão omitidos, outros mentidos, talvez distorcidos, aumentados, mas esta foi a maneira como a pessoa relatou. A história de vida da pessoa faz com que tudo que ela vive hoje ganhe contexto.
 
O contexto segundo o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007) é o “Conjunto dos elementos que condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado”. O contexto pode ser considerado o que em Filosofia Clínica chamamos de Exames Categoriais, ou seja, Assunto, Lugar, Tempo, Relação e Circunstância. Com as categorias, um filósofo pode identificar elementos que ao envolverem o enunciado podem significá-lo, pode dizer de onde aconteceu, em que tempo histórico, quais as relações, suas circunstâncias. Um texto sem contexto não é nada. Usando uma analogia pergunto: Como seria se você andasse de carro de boi? Bom, nada de anormal, mas se perguntasse um pouco melhor: Como seria se você andasse de carro de boi no centro de Criciúma? Isso pode lhe parecer muito estranho, mas é o que acontece com quem toma um assunto fora de seu contexto. O que se deve fazer é atualizar os dados de forma que eles possam se enquadrar nos novos contextos e aí sim ver se os assuntos ainda tem validade ou não.


Voltando ao caso da Bíblia, sem favorecer nenhuma religião, suas verdades são tomadas como imutáveis, ou seja, conteúdos atemporais. Em clínica muitas pessoas fazem o mesmo: pegam conteúdos de suas histórias e os tornam atemporais. Assim acontece quando o pai trata sua filha como uma menina indefesa, não esquecendo que o pai tem por volta de oitenta anos e sua filha cinqüenta. É assim que acontece quando uma mãe olha para um filho como o maior monstro do mundo por ele ter sido uma criança sapeca. Os dados históricos da vida dessas pessoas cristalizaram e com estes dados as suas práticas. Para não cometer o erro de tratar a pessoa com conteúdos caducos, o filósofo clínico precisa, além de fazer o Exame das Categorias, prestar atenção aos dados padrões e aos dados atualizados.
 
Os dados padrões são aqueles que indicam como normalmente a pessoa funciona, quais são os caminhos rotineiros no seu estado de ser. Já os dados atualizados indicam o que ao longo do tempo vem se transformando ou até mesmo o que mudou de uma semana para outra. Se os pregadores de verdades imutáveis abrissem os olhos aos dados padrões poderiam sim ver que há coisas que não mudam, mas há outras em que há muito não são as mesmas. Aquele pai que olha a filha como uma menina indefesa pode sim olhar para a filha como ela é, mas precisa atualizar dados como tempo, lugar, relação, circunstância. Entender que as práticas do passado estavam rodeadas de elementos que as condicionavam, que davam significados a elas. Se trouxermos as práticas do passado sem atualizarmos os elementos vizinhos elas podem ter um significado muito diferente do que se deseja.
 
Por fim gostaria de render os méritos do texto bíblico, segundo a postagem do Facebook, a Jodan Campos.
 
 
Por Rosemiro Selfstron - 13/03/2013

 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

GENTILEZA, UMA OVA!

Esta correria do nosso dia não esta aí por acaso. A ciência nos mostra que o ser humano em sua grande maioria, reage a estímulos. Se pensarmos um pouco, quais são os estímulos que temos recebido nestes 'dias modernos'? Eu me arriscaria a nomear um bem popular: COMPRE... VOCÊ PODE! Compre este novo carrão, esta TV 52 polegadas WiFi HDTV e você será mais feliz, você será uma pessoa mais legal! Então, depois de bem endividadas algumas pessoas vêem se pressionadas a resolver o problema em que se meteram trabalhando e se sobrecarregando para dar conta das contas empenhadas. Além desta situação temos sido desafiados insistentemente a entregar melhores resultados, cumprir metas, atingir objetivos, muitos pela competitividade, outros para manter a empregabilidade, mas no fim das contas muito 'disto' leva-nos ao adquirir, garantir, guardar e manter o tal padrão de vida que não sei bem quem disse que é padrão. Tudo em nome da qualidade de vida, do "bem viver". Pergunta: Você está certo de que realmente vive bem? Será que vivemos melhor do que nossos pais e avós? Já ouvi muitos profissionais e empresários dizerem que trabalhariam por menos dinheiro e melhor qualidade de vida. Se isto fosse verdade para a maioria, nossa realidade seria outra. Para mim, apenas discurso, pois não vejo muita gente se submeter a reduzir renda nem empresas em reduzir suas metas. Na prática o quadro é outro bem diferente.

Vivemos sim em uma época de grandes oportunidades, acesso a emprego, renda e a tal ascensão das classes menos favorecidas. Mas este quadro trouxe também ao nosso cotidiano, situações que revelam total despreparo e falta de estrutura social. Temos mais carros nas estradas e menos estradas para os carros, e menos ainda educação para seus motoristas. Vem daí então um clamor da sociedade que percebe o caos à sua porta: "Cadê a gentileza"? Ela certamente viria acompanhada do desenvolvimento se nossa cultura fosse dada ao estudo e a leitura, e menos influenciada pela lei de Gerson e sua obsessão de levar vantagem em tudo. Colocaram um carro, um notebook com internet e um celular na nossa mão, mas será que estávamos preparado para isto?

Todavia digo antes de encerrar este texto que não desejo a manutenção da miséria e da mediocridade, nem justificar a estupidez e a má educação, porém também tenho que manifestar meu desconforto com os olhares míopes que temos de nosso cotidiano. Desculpe-me mas eu não acredito que será com campanhas tipo 'curta gentileza' que faremos uma sociedade melhor. Esta é a caricatura perfeita do paliativo.

Na minha opinião este comportamento se muda com muita paciência e dedicação, em uma geração de 30 anos com educação de qualidade. Deve ser por isto que eu deva ver na maior parte do dia a dia nos semáforos e ruas da minha cidade não o polegar do "curtir" para a educação, mas sim aquele dedo médio mal educado gritando "gentileza uma ova".


Por André Topanotti - Criciúma/SC - 17/02/2013.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

AMANDO UMA MULHER INTELIGENTE


Hoje é Carnaval. Carnaval é um saco. Morei muitos anos na Bahia, falo de cátedra. Não existe festa mais autoritária do que o Carnaval e a devastação que causa em nome de sua alegria barulhenta. Mas gosto não se discute, lamenta-se. Por isso, hoje vou falar de coisa mais séria; vou falar de amor romântico e de um filme maravilhoso para quem gosta do tema e também de filosofia: "O Amante da Rainha, filme dinamarquês dirigido por Nikolaj Arcel, com Mads Mikkelsen (o amante) e Alicia Vikander (a rainha) no elenco.

Você acredita no amor romântico? Dito assim parece uma pergunta idiota. Alguns dirão que pessoas maduras sabem que o amor não existe. Outros, que é diferente de paixão, sendo esta passageira, enquanto o amor seria algo mais sólido, dado a parcerias de longa duração. Nada mais pernicioso para um casamento de longa duração do que a expectativa de amor romântico depois de um certo número de anos, diriam os "maduros". Expectativas assim seriam "coisa de mulher", o que também é uma besteira. Homens sonham com momentos de paixão com suas mulheres no dia a dia. "Ter uma mulher" significa exatamente isso.

Supor que os homens são animais de cerveja, futebol e sexo é não entender nada sobre os homens. Pensar que os homens só pensam em cerveja, futebol e sexo é a mesma coisa que pensar que mulher é um ser menos inteligente. A suposta simplicidade masculina é tão falsa quanto a também suposta irracionalidade feminina.

O tema encanta, apesar de alguns teóricos afirmarem que o amor é uma mera invenção da literatura europeia medieval (como o Papai Noel), universalizada, de modo equivocado, pelos autores românticos dos séculos 19 e 20. Digo "equivocada" porque, para os medievais, nem todo mundo seria capaz de viver ou suportar tal forma de amor avassalador. Já para os românticos, modernos, todo mundo poderia viver essa forma de encantadora doença da alma. Eu não acredito que o amor romântico seja uma invenção da literatura, mas concordo com os medievais: muita gente passa pela vida sem experimentá-lo. Uma pena, pobres miseráveis...

A narrativa medieval descreve essa "maladie de la pensée" (doença do pensamento, do espírito), dito no original provençal (um tipo de francês comum na Idade Média), como um modo de obsessão que arrasta o homem e a mulher, fazendo com que fiquem presos no desejo de estar um com o outro e atormentados quando não podem se encontrar, quando não podem se tocar. Segundo os medievais, ele ficará horas imaginando o que ela estaria fazendo, pensando, sonhando, com o desejo de penetrar em todos os segredos de sua alma e de seu corpo ("Tratado do Amor Cortês", de André Capelão, publicado pela editora Martins Fontes).

A estrutura ideal supõe o amor impossível, no qual a morte espera os dois ou um dos dois --e a desgraça do que sobrevive. Quando o amante é amigo fiel do marido dela, a estrutura dramática encontra seu modo mais perfeito de impasse. Dirão os especialistas que o amor romântico cantado nos séculos 18 e 19 fala da destruição de qualquer forma de vida que não a interesseira, típica da burguesia e sua alma de "merceeiro", como diria Marx.

"O Amante da Rainha" tem exatamente essa estrutura. O amante é médico e confidente do rei e se apaixonará enlouquecidamente, e será correspondido, pela rainha. Esse médico, chamado de "o alemão" pelos dinamarqueses (o personagem é alemão), é um iluminista (leitor de Rousseau e Voltaire) que crê na superação da barbárie pelo uso da razão e da ciência. Ela também. O amor dos heróis não é apenas construído a partir de "sentimentos" mas, também, do encontro entre suas almas inquietas com o mundo a sua volta. Ambos são filósofos de uma época em que a filosofia se revoltou com a estupidez do mundo (o filme se passa na segunda metade do século 18). Aliás, a filosofia sempre se revoltará, porque o mundo será sempre estúpido.

Além de belas pernas e belos seios, a delícia de partilhar inquietações filosóficas com uma mulher que amamos pode ser uma das maiores formas de amor romântico que existe. Infeliz aquele que não sabe disso.

Por Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 11/02/2013
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1229174-amando-uma-mulher-inteligente.shtml

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O RH TEM QUE CUIDAR DE GENTE


Nos últimos anos tenho lido, escutado e assistido líderes de gestão dizendo que o RH tem que ser estratégico. Confesso que isso sempre me intrigou, pois fico pensando: será que existe alguma disciplina dentro das organizações que não deva ser estratégica?

Tive a sorte (ou a oportunidade, para quem não acredita em sorte) de trabalhar em grandes empresas, com departamentos de recursos humanos bem organizados e com bons profissionais da área. Em muitas dessas empresas, conheci executivos e CEOs que davam bastante importância ao tema de pessoas e que esperavam que o RH também desse a devida importância ao sucesso da empresa como um todo e aos temas de todas as outras áreas, como finanças, vendas e operações.Portanto, para mim, estratégia e pessoas sempre estiveram muito conectados e talvez por isso não entenda o porquê do recente hype em torno do “RH Estratégico”. Será que existe algum seminário sobre "O Financeiro Estratégico" ou "O Comercial como Parceiro do Negócio"?

Se isso é um problema de autoestima dos profissionais de RH ou uma real necessidade do mercado - pois o RH no passado não era visto como uma área de muita importância (e consequentemente poucos queriam trabalhar nesse campo) - eu não sei. O que sei é que ultimamente tenho observado o fenômeno oposto: uma postura do pessoal de RH muito mais voltada à discussão do rumo dos negócios, acompanhada por uma fala típica de profissionais de finanças e cada vez menos sensível aos assuntos de gente. Ao mesmo tempo, percebo uma migração de profissionais de outras disciplinas, incluindo aqueles mais focados em “eficiência e controle”, como engenheiros e diretores de operações, à área de gestão de pessoas.

Eu até acho positivo os executivos fazerem uma rotação entre diferentes departamentos para conhecerem melhor as diferentes áreas de uma companhia e, assim, se tornarem profissionais mais completos. Porém, o que eu não acho interessante é esse mesmo executivo migrar para outra área e tentar atuar como se estivesse em sua área de origem. Ou seja, imagine que um diretor de operações resolva trabalhar no RH e ache que a única função da área é pensar em como tornar a empresa mais eficiente, cortando custos e investimentos em ações de desenvolvimento e ainda tentando implantar políticas para que os funcionários sejam tratados como "recursos" da companhia. Certamente haveria uma contribuição de curto prazo, porém como ficariam os outros temas de RH?

Isso me fez refletir: então para quê mesmo um CEO contrata um executivo de RH? O que será que ele realmente espera desse executivo? Sem ter uma resposta clara, fui direto na fonte e fiz essas perguntas para alguns CEOs que trabalham diretamente com um Diretor ou VP de RH. Recebi respostas bem óbvias (como era esperado, ainda bem!), do tipo: "espero que o RH cuide das pessoas" ou "espero que seja alguém que dissemine a cultura da empresa e contrate as pessoas certas". Ouvi outra resposta que também gostei: "eu espero alguém que domine sua função e que consiga, ao mesmo tempo, ser um parceiro ("thought partner") para me ajudar a pensar na estratégia da empresa".

Muito bem. Então o CEO de hoje monta o seu time com especialistas em suas áreas de atuação e generalistas no pensamento estratégico. Ele quer executivos que dominem suas respectivas funções. Ele também quer ser bem assessorado, quer que sua empresa seja de ponta e tenha os profissionais mais gabaritados, quer ter vantagem competitiva em relação à concorrência e, principalmente, quer gerar valor para o mercado e para os acionistas.

Isso vale para a contratação de um executivo de RH como também para qualquer outro. É como escalar um time para a seleção: o técnico quer os melhores jogadores em cada posição, mas também quer um time em que cada um saiba exatamente qual é o seu papel e o papel do outro para que possam pensar juntos na melhor estratégia para ganharem o campeonato.

Pensando no craque do RH, esse tem que dominar e aplicar todas as boas práticas de gestão de pessoas para o sucesso do negócio. Ele tem que conhecer profundamente a empresa e o mercado onde está inserido para propor boas soluções para atração de talentos, gestão da remuneração e de processos de administração de pessoal, implantação de programas de desenvolvimento e de retenção de pessoas, gestão do clima, mapeamento e disseminação da cultura organizacional e desenvolvimento das lideranças, entre outras iniciativas que envolvem “gente”. Ele precisa navegar em todas as áreas da empresa para conhecer a realidade do seu "cliente", que são os funcionários de todos os departamentos, além de olhar para fora da companhia a fim de identificar pessoas e projetos interessantes que possam ser incorporados ao negócio.

Falar de gente, falar de cultura, não é menos importante do que falar de market share ou de P&L. Lembrem-se: se não for o RH para cuidar de gente, quem irá fazê-lo?


Por: Maria Fernanda Ortega - 08/02/2013
Fonte: http://revistavocerh.abril.com.br/materia/o-rh-tem-que-cuidar-de-gente

sábado, 9 de fevereiro de 2013

CRITÉRIO


Há pouco tempo iniciei um projeto que leva o trabalho de Filosofia Clínica do consultório para a empresa, ou seja, o trabalho terapêutico que tem por objetivo resolver questões existenciais neste caso é voltado como ferramenta para a dissolução de questões organizacionais. Um dos vários propósitos de se inserir a Filosofia Clínica nas organizações é levar para a administração o entendimento de que cada ser humano é único, além de se fazer entender que os recursos humanos precisam ser entendidos como mais precioso que qualquer outro recurso econômico. Explico: numa empresa, a matéria prima recebida é analisada e usada de acordo com suas propriedades e o mesmo deveria ser feito com o ser humano, ou seja, respeitar sua singularidade.

Em determinado atendimento realizado numa organização, o problema apontado por um funcionário em cargo de gerência foi o seguinte: o gerente relatou que estava com peso por ter demitido um de seus funcionários e que cada vez que precisava demitir, isso lhe causava grande sofrimento. Em posse de sua historicidade (aos filósofos clínicos lembro que é: Historicidade, Exames das Categorias, EP, Submodos Informais, etc.) iniciei um trabalho de divisão. Divisão é um procedimento clínico por meio do qual o filósofo leva o partilhante a separar seus conteúdos de acordo com alguns critérios. Perguntei ao referido gerente se havia algo em específico que lhe causava este sofrimento. O partilhante respondeu que o que lhe causava sofrimento era saber a situação difícil que vivia o funcionário que havia demitido, mas que ao mesmo tempo sabia que precisava demiti-lo visto que o funcionário não dava resultado mesmo após várias chances.

Percebe-se que o partilhante apresenta um choque na Estrutura de Pensamento entre as Emoções e a Razão, choque que lhe causa sofrimento no desempenho de sua função. Para sanar este choque, com o conhecimento prévio do funcionamento do partilhante por meio da historicidade, foi encaminhado um processo de divisão. Esse processo começou com base em pequenas questões sobre o processo de seleção dos candidatos à vaga e como eles eram contratados. Ao longo desse processo, o partilhante percebeu que eram critérios racionais que mostravam se o candidato à vaga seria contratado e o mesmo era feito para a demissão de um funcionário. Ele percebeu que assim como a admissão, a demissão também é feita com base em critérios e não em gostos, que a demissão não é feita por ele, mas pelos critérios que inviabilizam a permanência do membro na equipe.
 
 
Outra situação foi a de uma coordenadora que recebeu a sugestão de demitir um funcionário de sua equipe por não estar cumprindo as metas. A mesma observou os critérios utilizados para avaliar e percebeu que deveria flexibilizá-los com a pessoa em questão. A coordenadora reconheceu que o tempo de aprendizado de cada um dos membros da equipe é diferente e resolveu esperar. Ao fazer isso, ela tornou os critérios singulares, ou seja, os critérios se aplicam a cada um de acordo com o seu jeito, sua singularidade. Os critérios são linhas que definem dentro e fora, certo ou errado, mas que podem ser utilizados de maneira singular.  Tanto no primeiro quanto no segundo caso há uma divisão, sendo que, não são as pessoas que demitem as pessoas, mas os critérios que dizem quem está dentro ou fora. A proposta da Filosofia Clínica é apresentar critérios que se flexibilizem, critérios que avaliem cada um como ser único. Sabe-se que são as pessoas que fazem os critérios e elas mesmas os aplicam, mas a falta deles pode encaminhar uma instituição à falência, processos judiciais, desagregação, conflitos, etc.

Rosemiro A. Sefstrom - 07/02/2013

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

RELOJOEIRO CEGO

Você vai ao médico, ele pede um exame de sangue e você descobre que seu filho terá síndrome de Down. O que você faria? Pensará nos custos? Você não é uma pessoa excepcionalmente egoísta, mas, em meio a sua agenda, como conseguirá lidar com uma criança assim? A agenda já é pesada com trabalho, sexo top (lembre-se: gostosa sempre!), estudos na pós-graduação (afinal, hoje em dia é imperativo agregar valor à vida profissional e pessoal), férias... Quem tomará conta da criança? Você tem alguém com quem possa contar? Irmãs, mãe, marido? Escola especial? Psicoterapeuta, psicopedagoga? Claro que essa questão não diz respeito a quem tem já filhos com esse quadro clínico, mas sim àqueles que um dia passarão por isso. Tampouco cabe aqui o argumento de que aqueles que já têm um filho assim o amam e aprenderam a conviver bem com essa situação. Enfim, não se trata de amar ou não os filhos que já se tem, mas sim de escolher os filhos que teremos.
 
No Brasil, sendo o aborto ilegal numa situação como está, a tendência, com a chegada até nós desse tipo de exame, é o aumento do aborto ilegal. A ciência vive pressionando a ética: trata-se aqui da ampliação do poder de escolha informada. Aumentando os recursos técnicos da medicina pré-natal, aumenta-se proporcionalmente a possibilidade de se evitar determinados tipos de gravidez. O nome disso, segundo o filósofo americano Francis Fukuyama, é "design babies" (bebês de prancheta, na tradução brasileira): bebês ao portador, com grau máximo de saúde. Católicos dirão que a vida pertence a Deus. Quem não crê nisso tem diante de si a seguinte questão: por que devo me submeter ao mero acaso? Afinal, a criança não foi fruto de um orgasmo (masculino, no mínimo)? Se o acaso decidiu qual óvulo e espermatozoide que estariam a postos, por que devo eu me submeter a tamanho capricho cego?
 
Não seria essa criança apenas uma carta triste no baralho, baralho este criado por um relojoeiro cego? Explico: a teoria do design inteligente (Deus criou o universo) afirma que sendo o universo organizado, não seria possível imaginar que ele teria surgido sem um criador inteligente (o relojoeiro criador). Ateus em geral, ironizando, até aceitam que exista uma ordem, mas esta ordem seria fruto do acaso cego, daí o "relojeiro cego" que fala o darwinista Richard Dawkins em seu livro "Blind Watchmaker" (relojoeiro cego). Se não devemos nada a ninguém, por que não tomarmos nosso destino nas mãos e ter o "melhor filho" possível? Tomar o destino em nossas mãos é optarmos pelos ganhos técnicos à mão, ou seja, a artificialização da vida. Quanto aos crentes, em tempo abraçarão a causa, dirão que Deus nos fez inteligentes para tomarmos decisões inteligentes. A Igreja Católica, mais lenta, 500 anos depois também aceitará, como aceitou Galileu.
 
O processo de ampliação de escolha informada implica, num prazo de tempo não muito preciso, a crescente artificialização da atividade reprodutiva humana. Isso é tão inevitável como a ampliação dos direitos civis, tais como voto das mulheres, casamentos gays, direitos da mulher sobre seu corpo, e afins. Se você vê um dia um homem aparentando 60 anos, mas com corpo e disposição de 40, correndo no Ibirapuera ao lado de uma gostosa de 25, você talvez não imagine quantos remédios ele tomou quando acordou, entre eles, um Viagra. Isto é a artificialização da vida. Dito assim, parece um absurdo do cinema de ficção científica, mas na prática, é banal como tomar vitaminas e vacinas. Num futuro próximo, ter filhos pelo método do acaso será como negar vacinas aos filhos. Um ato de irresponsabilidade reprodutiva. Empresas de seguro cobrarão mais caro por apólices de crianças geradas pelo relojoeiro cego. Ou simplesmente recusarão estas apólices. ONGs farão campanhas para criminalização da reprodução não assistida pela medicina pré-natal genética em nome da sustentabilidade social das crianças geradas e dos custos de saúde pública. Vejo mesmo o comercial: "Dê a seu filho o que você tem de melhor, Bradesco Biotecnologia".
 
Por Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 04/02/2013

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O FILHO EXEMPLAR




Há em Filosofia Clínica um tópico chamado "Buscas". Esse tópico se ocupa em identificar na história das pessoas seus direcionamentos existenciais. Há também um tópico da Estrutura do Pensamento chamado Termos Unívocos e Equívocos. Este tópico trata da clareza como as informações são expressas e o quanto são entendidas. Se uma informação sai de uma pessoa e é plenamente entendida pelo outro, esta é unívoca, caso não seja entendida ou seja mal interpretada, diz-se que a informação é equívoca. Se pensarmos no caso de uma pessoa que une buscas com termos equívocos, pode-se dizer que estamos diante de alguém que quer chegar a algum lugar, mas não tem clareza de onde quer chegar. Quando isso acontece, a pessoa aponta para várias direções ao longo da vida, a cada tanto inicia uma nova jornada de busca sem chegar a lugar algum. Muitas pessoas padecem por não conseguirem decifrar claramente qual seria a melhor direção existencial, sofrendo por não saberem se caminham em direção ao que parecem querer.
 
Agora imagine que essa equivocidade, essa falta de clareza, não aconteça com você, mas com seu pai, que ele seja equívoco no que busca. Pense que este pai tem como objetivo de vida educar seus filhos para que sejam responsáveis, sinceros, justos, trabalhadores, estudiosos, enfim, que sejam pessoas que ele considera de caráter. Pode acontecer que este pai deseje esse modelo de educação para seu filho, mas faça exatamente o contrário na prática. Algumas ilustrações podem deixar claro como isso pode acontecer e quanto sofrimento pode provocar. Colocarei alguns relatos que já ouvi no trabalho como terapeuta.

Uma jovem moça me falou que seus pais sempre disseram que queriam formar uma mulher responsável, que queria que ela fosse um exemplo. No entanto, ouvindo sua história de vida, pode-se perceber que seus pais fizeram tudo ao contrário do que desejavam. Desde cedo a menina não tinha hora para acordar, nem hora para ir dormir, quando lhe era exigido arrumar o quarto ela chorava, esperneava e assim era dispensada da tarefa. Quando mais jovem ia à escola e tinha um comportamento já bem rebelde, seus pais chamaram a atenção dos professores em sua frente, dizendo que eles deveriam saber o que fazer com seus alunos. Com essas e outras situações criaram alguém que não corresponde aos seus objetivos.

Outro rapaz me contou um dia que seu pai queria que ele fosse um jovem trabalhador, empenhado em resultados. Porém, ao longo de sua história, percebe-se que seu pai desde cedo desobrigava o rapaz das tarefas do lar. Em casa quando ele bagunçava seu quarto, era a empregada que limpava, quando queria qualquer soma em dinheiro, facilmente conseguia, os trabalhos de escola eram feitos pela mãe. Quando foi convidado para trabalhar com seu pai não tinha horário para chegar, assim como não tinha para sair. Quando entendia que não precisava ir ao trabalho, simplesmente não ia, sequer dava satisfação, deixando toda uma equipe desfalcada. Para o pai isso era coisa da idade, agora ele está com quase trinta anos e ainda não chegou à idade responsável.

Os casos citados são de pais que cobram dos filhos o que nunca lhes foi ensinado, queriam que os filhos fossem pessoas com determinadas características, mas não lhes ensinaram a ser. Alguns queriam filhos exemplares, mas não lhes ensinaram a ser os exemplos que desejavam. Muitos dizem: “Não quero para o meu filho o que eu passei”. Estes mesmos não se dão conta que muito do que passaram foi o que ajudou a formar o que são hoje. Estes pais buscam equivocamente que o filho seja como eles, sem educar para que o sejam. Filhos exemplares, na maior parte dos casos, foram frutos de uma educação exemplar.

Por Rosemiro A. Sefstrom - 30/01/2013
Fonte: http://www.filosofiaclinicasc.com.br/artigo/o-filho-exemplar-149