Na semana passada abri o Facebook
para postar o texto da semana e percebi que fui marcado numa imagem. Abri a
imagem e junto a ela havia um texto bastante longo que falava sobre as palavras
imutáveis da Bíblia, ou seja, que as palavras do texto Bíblico devem ser
entendidas à risca. Uma das frases do texto: “Eu tenho um vizinho que insiste
em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto.
Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo ou contrato alguém para fazer a
vontade de Deus?” Essa é apenas uma das muitas frases que apontam a
literalidade do entendimento bíblico. Cito ainda outro trecho do escrito: “Eu
sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu
período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo
isso a minha esposa ? Eu tenho receio que ela se ofenda comigo”. Esse texto me
fez refletir sobre princípios básicos que fazem da Filosofia Clínica uma
ferramenta tão objetiva.
Uma das bases essenciais para o entendimento de qualquer
pessoa para a Filosofia Clínica é a historicidade, ou seja, para os filósofos
clínicos todo ser humano é dotado de história. A história é contada pela
própria pessoa ao terapeuta que apenas ouve atentamente a construção de uma
auto biografia. É claro que ao longo da narrativa alguns dados serão omitidos,
outros mentidos, talvez distorcidos, aumentados, mas esta foi a maneira como a
pessoa relatou. A história de vida da pessoa faz com que tudo que ela vive hoje
ganhe contexto.
O contexto segundo o Dicionário de Filosofia de Abbagnano
(2007) é o “Conjunto dos elementos que condicionam, de um modo qualquer, o
significado de um enunciado”. O contexto pode ser considerado o que em
Filosofia Clínica chamamos de Exames Categoriais, ou seja, Assunto, Lugar,
Tempo, Relação e Circunstância. Com as categorias, um filósofo pode identificar
elementos que ao envolverem o enunciado podem significá-lo, pode dizer de onde
aconteceu, em que tempo histórico, quais as relações, suas circunstâncias. Um
texto sem contexto não é nada. Usando uma analogia pergunto: Como seria se você
andasse de carro de boi? Bom, nada de anormal, mas se perguntasse um pouco
melhor: Como seria se você andasse de carro de boi no centro de Criciúma? Isso
pode lhe parecer muito estranho, mas é o que acontece com quem toma um assunto
fora de seu contexto. O que se deve fazer é atualizar os dados de forma que
eles possam se enquadrar nos novos contextos e aí sim ver se os assuntos ainda
tem validade ou não.
Voltando ao caso da Bíblia, sem favorecer nenhuma religião,
suas verdades são tomadas como imutáveis, ou seja, conteúdos atemporais. Em
clínica muitas pessoas fazem o mesmo: pegam conteúdos de suas histórias e os
tornam atemporais. Assim acontece quando o pai trata sua filha como uma menina
indefesa, não esquecendo que o pai tem por volta de oitenta anos e sua filha
cinqüenta. É assim que acontece quando uma mãe olha para um filho como o maior
monstro do mundo por ele ter sido uma criança sapeca. Os dados históricos da
vida dessas pessoas cristalizaram e com estes dados as suas práticas. Para não
cometer o erro de tratar a pessoa com conteúdos caducos, o filósofo clínico
precisa, além de fazer o Exame das Categorias, prestar atenção aos dados padrões
e aos dados atualizados.
Os dados padrões são aqueles que indicam como normalmente a
pessoa funciona, quais são os caminhos rotineiros no seu estado de ser. Já os
dados atualizados indicam o que ao longo do tempo vem se transformando ou até
mesmo o que mudou de uma semana para outra. Se os pregadores de verdades
imutáveis abrissem os olhos aos dados padrões poderiam sim ver que há coisas
que não mudam, mas há outras em que há muito não são as mesmas. Aquele pai que
olha a filha como uma menina indefesa pode sim olhar para a filha como ela é,
mas precisa atualizar dados como tempo, lugar, relação, circunstância. Entender
que as práticas do passado estavam rodeadas de elementos que as condicionavam,
que davam significados a elas. Se trouxermos as práticas do passado sem
atualizarmos os elementos vizinhos elas podem ter um significado muito
diferente do que se deseja.
Por fim gostaria de render os méritos do texto bíblico,
segundo a postagem do Facebook, a Jodan Campos.
Por Rosemiro Selfstron - 13/03/2013