O discurso teológico dogmático da religião hebraica/cristã – não do Cristo filho de Maria, “o mais doce, o mais amoroso (…) que nos liberta da dominação dos sacerdotes e de toda idéia de culpa, punição, recompensa, juízo, morte e o que vem depois da morte; esse homem que trouxe a boa nova”, como mostrou Deleuze/Nietzsche – trata da superioridade de Deus em relação ao homem, fugaz mortal, onde mostra seus três atributos: Onisciência, Onipotência e Onipresença. São atributos por demais elevados para um simples mortal. Só Deus pode contê-los e praticá-los. Todavia, esses três atributos são as grandes cobiças dos desesperados mortais e servem de acordo com o usuário disangelista – o que carrega a má notícia –, para seus propósitos mais torpes revelando o quanto de sua insegurança, medo e insignificância.
É comum nesse mundo dos tristes mortais, alguns ditos homens e mulheres lançarem mão de dois desses atributos impulsionados pela fantasia e delírio sintomático de quererem se tomar por Deus. É comum encontrar em todos os territórios imóveis estas personagens se arvorando onipotentes e onipresentes. Mostrando-se superiores – quando não são – e dotados do dom da ubiquidade quando são reles indivíduos bem territorializados. Mas que querem ser confundidos com Deus em sua Onipotência e Onipresença.
O caso dos médicos corruptos apresentado pela TV do Sílvio Santos, SBT, que este Blog Intempestivo publicou ontem, onde, em reportagem, desfilam médicos assinando o ponto em um hospital, e logo depois partindo para outro sítio, exemplifica essa síndrome da onipresença. Médicos ocupam, no mesmo tempo, vários lugares diferentes. Um complexo de Deus irrefutável que nos leva a indagar, em que lugar real encontram-se esses médicos? Só há uma forma de responder e um momento. É quando eles recebem seus salários. São seus salários que comprovam suas presenças. São seus salários que, indubitavelmente, confirmam que esses médicos encontravam-se nos seus locais de labuta ( e que labuta). São seus salários, bons salários, que o colocam no topo da classe médi(ca)a, e os permitem na sociedade de consumo fazer uso deles. Mas, para aumentar seus desesperos, como diz o filósofo francês Deleuze, “alguns médicos ganham muito, mas não sabem gastar”.
E sabe por que não sabem gastar? Porque não conseguem atingir o mais importante atributo de Deus: a Onisciência. Esses médicos são sempre restritos de inteligência. Não sabem que o comprar no capitalismo é uma forma de repressão ao desejo. Sem onisciência, também carregam uma linguagem que é sempre a mesma de sua classe, sua família, e seu grupo. Nada além semioticamente. Suas inteligências restritas servem apenas para conservar os limitados conhecimentos. Ser onisciente é um ato inatingível para eles. Degenerados do instinto humano, por isso são corruptos, muitos deles são também prepotentes, arrogantes, imaginando ter atingido o maior grau de onipotência que faz com que os outros fiquem aos seus pés. Principalmente os mais desvalidos. Mas esses complexos de Deus não são somente ideais perseguidos por esses médicos.
Outros profissionais também são acometidos da mesma anomalia. Um bom exemplo recente foi o oferecido pelo pastor Malafaia. O onipotente pastor, que se julga salvador das almas duas vezes, por se acreditar pastor e psicólogo, segundo informações soltas pelo mundo midiático, em sua nobreza-teológica-moral, pediu para que seus fiéis não denunciassem os pastores corruptos. Uma prova inconteste de corrupção sem qualquer possibilidade de salvação teológica. Ora, Malafaia, mostra uma conhecida estratégica de administrar os pecados. Não denunciando os pastores corruptos, os fiéis terão abatimentos em seus pecados e penas, e de quebra sua igreja fica fortalecida. Um juízo que bem pode ser tratado por Malafaia, mas que não tem efeito algum, visto que o pastor, por não ser dotado de onisciência, não pode entender que o ato de mentir praticado pelos fiéis não pode livrá-los do pecado que eles mesmos sabem que estão cometendo. E que nenhum Malafaia pode salvá-los do juízo de Deus.
Como diz o filósofo Sartre: ”Se eu minto para alguém, mesmo que esse alguém não saiba que é mentira, todavia eu sei que estou mentindo”. Ainda mais, em um país em que a palavra corrupção passou a ser a moeda mais valiosa para tornar suspeitos em não suspeitos e não suspeitos em suspeitos, de acordo com os interesses dos inimigos. Nunca dantes, na história do Brasil, se estereotipou uma palavra como se estereotipou a palavra corrupção. Hoje até corrupto usa essa palavra em seu próprio benefício. Como é o caso da TV Globo com sua fraude no fisco.
É claro que o Deus dos três atributos sabe que se trata de um quadro clínico clássico de megalomania, essa tentativa de reles mortais, por reflexos, pretenderem seus atributos. Por isso, Ele não dá a menor pelota. Ele sabe que esse quadro por si mesmo mostra a dor desses pobres e infelizes mortais que carregam servidão a insegurança, o medo e a insignificância. Até que os vermes venham por fim ao desespero de terem existido em dupla ilusão.
Fonte: www.afinsophia.com
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