Nestes últimos
dias tive oportunidade de aprofundar meus conhecimentos em um pensador e
filósofo contemporâneo chamado Emmanuel Levinas. Alguns conceitos importantes
podem destacar a obra deste estudioso, como “o outro” e seu “rosto”.
O outro
que Levinas conceitua diz respeito ao universo infinito e intocável que temos
diante de nós quando contemplamos o ser humano em sua forma autentica. Por
exemplo, quando você olha sua esposa, seu marido, filho ou seus pais e amigos,
você está vendo uma fração deste outro em sua individualidade rica e
dinâmica. Simplifiquei aqui o conceito de “outro”. Caso o outro olhe pra você e convide
você a fazer parte de seu mundo, ao entrar em seu convívio, convida-o a
estender sua mão a ele e ampliar seu conhecimento a respeito deste mesmo que o
convida. Este convite é feito através de seu “rosto”. O rosto
é como o outro se mostra a nós, e como nós mesmos também nos mostramos
ao outro.
Muito bem, e
o que muda a partir disto? É aí que a filosofia clínica nos auxilia a relacionar
conceitos importantes como os de “rosto e o outro” com o nosso dia a dia. Pensando
a respeito, lembrei de um fato que me ocorreu em uma empresa onde trabalhei alguns
anos a atrás. Na oportunidade tinha assumido um cargo de liderança, e estava
empenhado em formar uma boa equipe de trabalho, capacitar meus liderados e é
claro, corresponder às expectativas da empresa que havia me dado àquela oportunidade.
Acreditava, e continuo acreditando, que para uma equipe alcançar resultados permanentes,
precisamos desenvolver as pessoas envolvendo-as nas decisões, fazendo-as se
sentir parte do trabalho, e fundamentalmente tratando-as com respeito. Tal foi
minha surpresa quando percebi que o conceito de “respeito” que procurava ter
pelas pessoas da equipe, seu significado foi confundido por uma delas com o de
“bondade”, na minha visão talvez de “condescendência”. Provavelmente esta pessoa julgou que poderia
fazer seu próprio horário, portar-se como lhe conviesse, cumprir as atividades
no prazo que quisesse. Talvez pela minha forma de trabalhar, ela acreditava que
acima de tudo, eu iria “respeitá-la”. Na verdade a situação me incomodava
porque pela minha percepção ela estava aproveitando-se da situação.
Chamei-a algumas vezes para conversar, procurei entender o que estava
acontecendo, manifestei meu aborrecimento com as atitudes e os fatos que
presenciava na relação dela comigo e com a equipe. Infrutífero! Certo dia precisei
tomar a decisão que já me era inevitável: Demitir aquele profissional. Naquela
oportunidade, ouvi: “...é... um dia as pessoas sempre mostram a sua verdadeira
cara...”
Aqui vêm à
relação que podemos fazer do rosto e do outro que Levinas nos
ensina. Supostamente para o profissional demitido, o rosto que eu mostrei no
início de nosso trabalho mudou, pois tinha tomado uma decisão que lhe foi
dura e naquele instante o prejudicou. Se eu fosse questionado lá naquele dia, diria
que o rosto dele é que mudou, que tinha se mostrado um bom funcionário, depois
quis se aproveitar de alguma forma das circunstancias em benefício próprio. Hoje,
refletindo sobre este ocorrido, penso que nem eu e nem ele mudamos o rosto. Provavelmente
o que encontramos foi um pouco do “outro” que também realmente existia dentro
de nós. Quando isso ocorre, uma reação comum para alguns é de surpresa, para
outros, motivo de mágoa ou decepção e por vezes de rupturas de relacionamentos,
de amizades. Por vezes, a convivência intensa e a intimidade nos
relacionamentos proporcionam diversas oportunidades de conhecermos as pessoas
que nos cercam, porém muitos têm o hábito de achar que as pessoas são aquilo
que elas nos mostram. Pode ser que algumas pessoas se mostrem para nós, durante
algum tempo, da forma como entende que gostaríamos que elas fossem, não como
realmente são. Podem fazer isto por muitos motivos: por carinho e amor, por
admirar alguém e projetar a si mesmo nela, ou ainda por medo de serem
rejeitadas. Algumas até por interesse próprio e outras por nenhum motivo
proposital ou lógico, entre tantos outros. É sábio entender que muitos de nós
também funciona assim com os outros.
Quantas vezes olhamos para as pessoas em nossa volta e
achamos que são elas que mudaram conosco. O amigo que nos esqueceu, o patrão
que parece ter nos eleito para “pegar no
pé”, a filha ou filho que não nos liga, enfim, o rosto do outro mudou. Será?!
Talvez estejamos entrando em contato com parte daquilo que o outro também é, e
não estamos gostando do que estamos descobrindo, porque suas opiniões podem ser
diferentes e não conseguimos lidar com as diferentes opiniões?! Ou ainda posso
pensar: Talvez, será que a mudança não ocorreu em mim e o que percebo é a
reação das pessoas a minha mudança? Para adentrar neste terreno rico da auto descoberta
e da descoberta do outro, no meu ponto de vista, precisamos exercitar a humildade
e o diálogo. Para Levinas isto é tratar o outro como Sagrado. Agir com humildade
procurando entendê-lo, e neste processo de abertura, estar preparado para se
descobrir também. Para mim, vale a pena
tentar.
Por André Topanotti - Criciúma/SC - 15/04/2012