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O objetivo deste blog é discutir idéias, expor pontos de vista. Perguntar mais do que responder, expressar mais do que reprimir, juntar mais do que espalhar. Se não conseguir contribuir, pelo menos provocar.

domingo, 15 de abril de 2012

Quando o rosto do outro muda


          Nestes últimos dias tive oportunidade de aprofundar meus conhecimentos em um pensador e filósofo contemporâneo chamado Emmanuel Levinas. Alguns conceitos importantes podem destacar a obra deste estudioso, como “o outro” e seu “rosto”. O outro que Levinas conceitua diz respeito ao universo infinito e intocável que temos diante de nós quando contemplamos o ser humano em sua forma autentica. Por exemplo, quando você olha sua esposa, seu marido, filho ou seus pais e amigos, você está vendo uma fração deste outro em sua individualidade rica e dinâmica. Simplifiquei aqui o conceito de “outro”. Caso o outro olhe pra você e convide você a fazer parte de seu mundo, ao entrar em seu convívio, convida-o a estender sua mão a ele e ampliar seu conhecimento a respeito deste mesmo que o convida. Este convite é feito através de seu “rosto”. O rosto é como o outro se mostra a nós, e como nós mesmos também nos mostramos ao outro. 
            Muito bem, e o que muda a partir disto? É aí que a filosofia clínica nos auxilia a relacionar conceitos importantes como os de “rosto e o outro” com o nosso dia a dia. Pensando a respeito, lembrei de um fato que me ocorreu em uma empresa onde trabalhei alguns anos a atrás. Na oportunidade tinha assumido um cargo de liderança, e estava empenhado em formar uma boa equipe de trabalho, capacitar meus liderados e é claro, corresponder às expectativas da empresa que havia me dado àquela oportunidade. Acreditava, e continuo acreditando, que para uma equipe alcançar resultados permanentes, precisamos desenvolver as pessoas envolvendo-as nas decisões, fazendo-as se sentir parte do trabalho, e fundamentalmente tratando-as com respeito. Tal foi minha surpresa quando percebi que o conceito de “respeito” que procurava ter pelas pessoas da equipe, seu significado foi confundido por uma delas com o de “bondade”, na minha visão talvez de “condescendência”.  Provavelmente esta pessoa julgou que poderia fazer seu próprio horário, portar-se como lhe conviesse, cumprir as atividades no prazo que quisesse. Talvez pela minha forma de trabalhar, ela acreditava que acima de tudo, eu iria “respeitá-la”. Na verdade a situação me incomodava porque pela minha percepção ela estava aproveitando-se da situação. Chamei-a algumas vezes para conversar, procurei entender o que estava acontecendo, manifestei meu aborrecimento com as atitudes e os fatos que presenciava na relação dela comigo e com a equipe. Infrutífero! Certo dia precisei tomar a decisão que já me era inevitável: Demitir aquele profissional. Naquela oportunidade, ouvi: “...é... um dia as pessoas sempre mostram a sua verdadeira cara...” 
            Aqui vêm à relação que podemos fazer do rosto e do outro que Levinas nos ensina. Supostamente para o profissional demitido, o rosto que eu mostrei no início de nosso trabalho mudou, pois tinha tomado uma decisão que lhe foi dura e naquele instante o prejudicou. Se eu fosse questionado lá naquele dia, diria que o rosto dele é que mudou, que tinha se mostrado um bom funcionário, depois quis se aproveitar de alguma forma das circunstancias em benefício próprio. Hoje, refletindo sobre este ocorrido, penso que nem eu e nem ele mudamos o rosto. Provavelmente o que encontramos foi um pouco do “outro” que também realmente existia dentro de nós. Quando isso ocorre, uma reação comum para alguns é de surpresa, para outros, motivo de mágoa ou decepção e por vezes de rupturas de relacionamentos, de amizades. Por vezes, a convivência intensa e a intimidade nos relacionamentos proporcionam diversas oportunidades de conhecermos as pessoas que nos cercam, porém muitos têm o hábito de achar que as pessoas são aquilo que elas nos mostram. Pode ser que algumas pessoas se mostrem para nós, durante algum tempo, da forma como entende que gostaríamos que elas fossem, não como realmente são. Podem fazer isto por muitos motivos: por carinho e amor, por admirar alguém e projetar a si mesmo nela, ou ainda por medo de serem rejeitadas. Algumas até por interesse próprio e outras por nenhum motivo proposital ou lógico, entre tantos outros. É sábio entender que muitos de nós também funciona assim com os outros.
Quantas vezes olhamos para as pessoas em nossa volta e achamos que são elas que mudaram conosco. O amigo que nos esqueceu, o patrão que parece ter nos eleito  para “pegar no pé”, a filha ou filho que não nos liga, enfim, o rosto do outro mudou. Será?! Talvez estejamos entrando em contato com parte daquilo que o outro também é, e não estamos gostando do que estamos descobrindo, porque suas opiniões podem ser diferentes e não conseguimos lidar com as diferentes opiniões?! Ou ainda posso pensar: Talvez, será que a mudança não ocorreu em mim e o que percebo é a reação das pessoas a minha mudança? Para adentrar neste terreno rico da auto descoberta e da descoberta do outro, no meu ponto de vista, precisamos exercitar a humildade e o diálogo. Para Levinas isto é tratar o outro como Sagrado. Agir com humildade procurando entendê-lo, e neste processo de abertura, estar preparado para se descobrir também.  Para mim, vale a pena tentar.

Por André Topanotti - Criciúma/SC - 15/04/2012

9 comentários:

  1. Parabéns Professor André, adorei o que li e mais, enquanto estava lendo, tentei imaginar o dia-a-dia, situações no trabalho, na família e com amigos.
    A verdade é que muitas vezes criamos expectativas nas pessoas porque realmente não as conhecemos, dessa forma a medida que entramos mais a fundo no munda delas percebemos que somos humanos, e que erramos, acertamos e jamais vamos conseguir agradar a todos.
    Vivemos cercados de pessoas, mais o que não podemos esquecer é que, somos diferentes, e cada qual com suas idéias e pensamentos.
    Abraços!

    Fabiana Gomes Velho

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  2. Olá Fabiana

    Obrigado pelas palavras. Continue seguindo-me que estarei postando sempre que possível artigos interessantes, alguns de minha autoria, com este, outros de meus amigos do curso de filosofia clínica.

    Forte abraço!

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  3. Parabéns pelo artigo Andre!!! Depois de ler fiquei refletindo e relacionando como dia a dia na vida profissional e pessoal. É tão fácil apontar os erros dos outros, achar que estamos sempre certo, que a mudança tem que partir da outra pessoa não de mim. A se tivéssemos o habito de escutar um pouco mais, de se colocar no lugar da outra pessoa, ao invés de falar. Como diz (GANDHI) DEVEMOS SER A MUDANÇA QUE QUEREMOS VER NO MUNDO!!! VALEU PROFESSOR

    RAFAEL PINTO GONÇALVES

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  4. Tudo bem Rafa?!

    Que bom que você gostou, muito obrigado! sempre que possível , acesse meu blog e deixe sua opinião. Fique a vontade para contrapor também. Sempre que possível estarei postando tanto artigos de minha autoria como este, e outros outros de meus amigos e de autores reconhecidos.

    Um forte abraço e até a aula de terça!

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  5. Belo artigo André!!!
    já há algum tempo observo o que realemte as pessoas são e o que querem nos passar. Sai de BN para Crciuma,uma distancia pequena, mas com realidades bem diferentes ao meu ver. O meu "observar" a mim mesmo me fez ver o quanto a mesmice nos escurece os olhos.
    abraços

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  6. Michela, boa noite

    Obrigado por seu comentário. A mudança que você percebeu digo-lhe que também percebi. Num primeiro momento nos outros, depois de algumas "cólicas existenciais" daí então consegui me perceber. Para mim, creio ser mais fácil ver que o outro precisa mudar. É muitas vezes para uma certa maioria, ver somente depois de um tempo, que nós é que precisamos mudar também, ou talvez, o primeiro que precise da mudança.

    Forte abraço!

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  7. Também gostei muito do que li André. Parabéns. Vou procurar ler mais sobre Levina.

    Essa descoberta do que é o outro e o que somos nós mesmos é muito rica e pertinente, pode nos tornar pessoas melhores. Creio que nessa descoberta podemos tropeçar na resposta da pergunta das perguntas: "O que Somos?". Não Somos nosso corpo: perdem-se as partes e ainda continuamos sendo. Também não somos nossa mente: O que pensamos hoje não é o mesmo de ontem e ainda continuamos sendo os mesmos. Há quem dirá: Somos alma. O que não é resposta pois responde com outra pergunta - o que afinal é alma? Alguém consegue dizer com precisão de onde veio e pra onde vai sem se perder em conceitos mais duvidosos do que é alma? - .
    Não seria eu presunçoso a ponto de afirmar conhecer essa resposta a qual legiões de filósofos e milênios de religião não chegam a nenhum conscenso prático. Mas ouso expecular:

    "Somos a mudança" - a única coisa que permanece é a impermanência.

    As pessoas mudam e nós mudamos inevitavelmente e mais rapidamente do que possamos presumir. Não é o mundo que muda nem os rostos, mas essencialmente somos nós mesmos mudando sem que aceitemos ou gostemos disso. E quando entendido essa mecânica da impermanência e do vir-á-ser em tudo, se perde o medo e o receio de mudar, pois resistir a isso é lutar contra o que não se pode vencer. Logo, a resposta para o que está por trás do rosto é a mesma para quem eu sou: Mudança.

    Forte abraço André! Pax et Lux!

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    1. Anderson, muito obrigado pela contribuição.

      Fico feliz em saber que podemos contribuir com o pensamento e evolução de "nossotros"... isto é um outro artigo que está "nascendo"... e sua contribuição é muito interessante.

      Forte abraço, e estamos juntos!

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  8. Prof. André Tapanotti

    Lendo seu artigo, bem no início lembrei de um "exercício existencial" que eu fiz e que achei muito interessante em mim e libertador. Um dia olhei-me no espelho e fiz aquela tão famosa pergunta "quem é vc?". O interessante foi a descoberta, eu não respondi quem sou eu, mas eu tentei ver no espelho alguém que eu nunca tinha visto e que eu estava vendo ali pela primeira vez e que aquela pessoa no espelho não era eu, era alguém que eu tinha acabado de ver...rsrsr foi tão estranho e tbm tão magnífico, eu me vi como muitos vêem o "outro", alguém que se tem que conhecer e que nada sabemos sobre ele, eu consegui "não saber" quem era aquela do espelho naquele momento. Que coisa interessante minha mente criou em relação a mim mesma, pois eu me vi como o "outro" e não como a mim mesma, e eu hoje tento me conhecer como eu conheço o "outro" só que esse "outro" sou eu mesma, e esta arte de me conhecer eu tbm levo ao "outro" pois afinal de contas quem conhece a si mesmo, não é? Parece complicado?Desculpe se eu vou estar falando "abobrinhas", mas neste mundo todos nós falamos um pouco de "abobrinhas sérias", rs...
    Mas em relação ao "rosto", descrito no texto: neste meu exercício existencial citado acima vi o meu rosto no espelho, pois ele era a minha apresentação ao "outro", meu "cartão de visita" (mas lembre-se que o rosto no espelho "não era meu", era o outro que era eu mas que eu não estava vendo como eu, e sim como o outro); bem.. ao ver aquele rosto "novo" percebi que muitas pessoas olham para mim(ele, o rosto no espelho) e nada sabem de mim (claro) mas isso me fez pensar:Já prestou atenção que não nos olhamos como o "outro" nos olha? Nós nos olhamos com tudo que está ou é em nossa mente, com tudo que construímos historicamente, que levamos para nossa visão do outro tudo que somos ou não somos, e isso em algumas pessoas pode ser uma experiência terrível! Por exemplo: há pessoas que sofrem de baixa auto estima, ou são tímidas e não conseguem olhar para o "outro" sem se sentir um traste, olha para o "outro" com os olhos voltados para si mesmo, mas se naquele momento ele conseguisse olhar para o outro e entendesse que o "outro" olha para este que se sente um "traste" sabendo que o outro nada sabe dele, que ele não precisaria demonstrar em seu rosto toda a dor que carrega, e creio que a sua vida com o "outro" ia ser menos dolorosa..... Será que vc me entendeu? Quando descobri isso, nossa! EURECA! SE AS PESSOAS DESCOBRIREM esta mágica existencial, os que sofrem de algum tipo de "demonstração" por insegurança sobre os momentos conflituosos que estão passando nunca mais sofrerão este tipo de insegurança..

    Prof: Sandra Sucupira.

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