Bastou compartilhar com alguns amigos e parentes que iria
fazer o curso de filosofia clinica para começar a ouvir a expressão ícone da obra de Shakespeare "Hamlet" em um tom irônico
e provocativo: "Ser ou não ser, eis a questão..." Entendi ser esta a maneira do interlocutor interagir comigo num tema
onde os assuntos parecem ser insólitos e de pouca relevância, e para quem vive em
uma era onde para se somar 4 + 3 precisa-se de pelo menos uma calculadora de açougueiro,
tamanha a preguiça que nossa geração tem de usar seus neurônios. Pensar e estudar sobre o homem suas origens e historia, parece ser
coisa de pessoas desconectadas, "viajonas", que não são claras, que são
subjetivas e pouco contribuem para as questões práticas do dia-a-dia das
empresas e das pessoas. Porém, eu acho interessante quando estou fazendo uma
entrevista de emprego: Questiono porque o entrevistado quer sair de onde está
trabalhando, e não é raro ouvir a resposta: "Porque não concordo com a
filosofia de trabalho do fulano..." Ou: Por que você quer trabalhar
nesta empresa? "Ha... Vocês tem uma filosofia empresarial vencedora..."
Bolas! Na hora de 'estilizar' o discurso a palavra filosofia aparece como que
permeando as letrinhas, lustrando o intelecto, passando uma 'cerinha' nas frases
de efeito para tentar seduzir o entrevistador ou algum ouvinte desavisado. Não eu! É
legal ver os tagarelas opiniosos que para tudo tem um comentário pronto para
repetir, escorregando em assuntos que sequer leram dois parágrafos de uma obra filosófica
e já saem emitindo opiniões empacotadas, típicas de uma geração acostumada a se
alimentar de enlatados, inclusive os literários. Que fique claro, não tenho nada contra enlatados, apenas prefiro a comida caseira da minha esposa!
Volto ao recorte da obra para contextualizar: "Ser ou não ser" aparece na obra no 3º Ato, 1ª Cena, quando Hamlet precisa tomar certa decisão: Lançar-se sobre a
realidade dura do conhecimento ou permanecer na proteção da ignorância, na
sombra do não conhecer:
Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito
sofrer pedras e setas com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja; Ou
insurgir-nos contra um mar de provações e em luta pôr-lhes fim? Morrer... Dormir:
não mais.
Erroneamente algumas pessoas usam a expressão para vincular a situação a um
pensamento existencial de alguém que está a pensar sobre si, sua origem ou
futuro destino. Engano: Hamlet precisa tomar uma decisão entre ter determinada
consciência e assumir os riscos pelo conhecimento adquirido, ou não, “dormir” e
apenas deixar o mundo decidir por si. Na imaginação popular a fala é
pronunciada por Hamlet segurando a caveira de Yorick, embora
as duas ações estejam longe de si no texto da peça. Também é importante
dizer que Hamlet não está sozinho no palco: Ofélia, Polônio e o
Rei, outros personagens estão escondidos na cena, e ainda existe a dúvida debatida por diversos editores sobre
o fato de Hamlet ver ou não o Rei e Polônio. Caso ele realmente o esteja vendo,
talvez tenha pronunciado "indiretas" através de suas metáforas.
Por este motivo trago ao momento uma situação cotidiana que me
desconcertou dia destes: Depois que publiquei no blog o artigo “O Silencio do Diretor”,
texto em que abordo a redução do "eu" em papéis existenciais como “gerente”,
“diretor”, o profissional de sucesso, recebi uma crítica de um amigo próximo. Ele perguntou-me: “Por que quando tu mandas o email pra mim tu assinas com teu cargo
embaixo?” Respondi dizendo que aquela identificação é padrão dos e-mails
da empresa e ela aparece assim que começamos a digitar o email. Ele continuou me
provocando: “Cuida, porque como tu mesmo escreveste dia destes, você não é só
aquilo que você se identifica no email.” Então... Entendi que eu não
sou o tal coordenador de RH que me identificava no email. Na verdade hoje eu “estou”
coordenador, por tomar uma decisão de junto com outras pessoas fazer parte
daquele determinado time. Amanhã ou num futuro próximo posso deixar a empresa. Exemplo de que apenas "estamos" ocorre quando algumas pessoas são demitidas e sentem que perderam o sobrenome. É comum quando liga-se para algum estabelecimento comercial e depois da identificação do nome, a telefonista questiona: "seu fulando" da onde?... Fica então aquele silêncio... A empresa passou a ser o sobrenome do "fulano". Será que eu "sou" este que se identifica pelo cargo?
Observando um pouco mais Hamlet, penso que nossas decisões podem não definir quem somos, mas influencirá consideravelmente em como estaremos e
o que viveremos numa determinada etapa da vida, seja logo amanhã ou num futuro mais distante. Em uma época de mudanças constantes e intensas, a insegurança e a dúvida sobre o amanhã e o futuro são sentimentos bem presentes quando tratamos dos processos de mudanças. Este princípio pode ser observado à
luz do que Heráclito de Éfeso diz, quando fala da impermanência do homem. Heráclito foi o pensador dialético mais radical da Grécia antiga.
Para ele o homem não tem estabilidade alguma, está em constante movimento,
modificando-se, mudando. É dele a famosa frase “um homem não toma banho duas
vezes no mesmo rio”, porque nem o homem nem o rio serão os mesmos. Por
vezes sentimos uma sensação de nostalgia quando voltamos a um lugar onde
vivemos bons momentos e desejamos reviver aqueles momentos. Talvez o
sentimento da nostalgia seja um estágio anterior ao da frustração, porque
certamente não voltaremos a sentir àquela sensação vivenciada outrora, na mesma medida e intensidade. Para
não ser acometido constantemente pela nostalgia, denunciadas pelo uso de expressões como: “naquela empresa eu fazia assim”, “quando fui promovido há 10 anos
atrás”, olhando para o passado e achando que somos os mesmos, é importante se reposicionar: É sábio entender que o “ser” pode mudar e esta condição depende também do onde ele pode “estar”.
Voltar à pizzaria onde costumava-se namorar, não quer dizer que o casal
sempre sentirá o mesmo “friozinho” na barriga de 30 anos atrás. Isto pode
acontecer se talvez o par atualize seus discursos, reposicione suas ideias de
mundo, do outro e de si mesmo, pois o momento é outro, o “outro” também mudou, e até a pizza não será a mesma. O sabor poderá ser o mesmo ou até
melhor, se a boca não estiver dormente pelas reclamações de que não se fazem
mais dias como àqueles que se passaram. Passaram meu amigo! Nós estamos em outro
dia. Para mim, vale a pena "estar" vivendo o aqui hoje, sem o compromisso do para sempre assim, para poder quem sabe, a vir "ser" um alguém melhor
amanhã. Pense nisto!
Força e virtude amigos!
Por André Topanotti, Criciúma/SC, 28/08/2012.
Força e virtude amigos!
Por André Topanotti, Criciúma/SC, 28/08/2012.