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O objetivo deste blog é discutir idéias, expor pontos de vista. Perguntar mais do que responder, expressar mais do que reprimir, juntar mais do que espalhar. Se não conseguir contribuir, pelo menos provocar.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

SER OU ESTAR, OUTRA QUESTÃO.


Bastou compartilhar com alguns amigos e parentes que iria fazer o curso de filosofia clinica para começar a ouvir a expressão ícone da obra de Shakespeare "Hamlet" em um tom irônico e provocativo: "Ser ou não ser, eis a questão..."  Entendi ser esta a maneira do interlocutor interagir comigo num tema onde os assuntos parecem ser insólitos e de pouca relevância, e para quem vive em uma era onde para se somar 4 + 3 precisa-se de pelo menos uma calculadora de açougueiro, tamanha a preguiça que nossa geração tem de usar seus neurônios. Pensar e estudar sobre o homem suas origens e historia, parece ser coisa de pessoas desconectadas, "viajonas", que não são claras, que são subjetivas e pouco contribuem para as questões práticas do dia-a-dia das empresas e das pessoas. Porém, eu acho interessante quando estou fazendo uma entrevista de emprego: Questiono porque o entrevistado quer sair de onde está trabalhando, e não é raro ouvir a resposta: "Porque não concordo com a filosofia de trabalho do fulano..."  Ou: Por que você quer trabalhar nesta empresa? "Ha... Vocês tem uma filosofia empresarial vencedora..." Bolas! Na hora de 'estilizar' o discurso a palavra filosofia aparece como que permeando as letrinhas, lustrando o intelecto, passando uma 'cerinha' nas frases de efeito para tentar seduzir o entrevistador ou algum ouvinte desavisado. Não eu!  É legal ver os tagarelas opiniosos que para tudo tem um comentário pronto para repetir, escorregando em assuntos que sequer leram dois parágrafos de uma obra filosófica e já saem emitindo opiniões empacotadas, típicas de uma geração acostumada a se alimentar de enlatados, inclusive os literários. Que fique claro, não tenho nada contra enlatados, apenas prefiro a comida caseira da minha esposa!
 
 
Volto ao recorte da obra para contextualizar: "Ser ou não ser" aparece na obra no 3º Ato, 1ª Cena, quando Hamlet  precisa tomar certa decisão: Lançar-se sobre a realidade dura do conhecimento ou permanecer na proteção da ignorância, na sombra do não conhecer:

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja; Ou insurgir-nos contra um mar de provações e em luta pôr-lhes fim? Morrer... Dormir: não mais.

Erroneamente algumas pessoas usam a expressão para vincular a situação a um pensamento existencial de alguém que está a pensar sobre si, sua origem ou futuro destino. Engano: Hamlet precisa tomar uma decisão entre ter determinada consciência e assumir os riscos pelo conhecimento adquirido, ou não, “dormir” e apenas deixar o mundo decidir por si. Na imaginação popular a fala é pronunciada por Hamlet segurando a caveira de Yorick, embora as duas ações estejam longe de si no texto da peça. Também é importante dizer  que Hamlet não está sozinho no palco: Ofélia, Polônio e o Rei, outros personagens estão escondidos na cena, e ainda existe a dúvida debatida por diversos editores sobre o fato de Hamlet ver ou não o Rei e Polônio. Caso ele realmente o esteja vendo, talvez tenha pronunciado "indiretas" através de suas metáforas.

Por este motivo trago ao momento uma situação cotidiana que me desconcertou dia destes: Depois que publiquei no blog o artigo “O Silencio do Diretor”, texto em que abordo a redução do "eu" em papéis existenciais como “gerente”, “diretor”, o profissional de sucesso, recebi uma crítica de um amigo próximo. Ele perguntou-me: “Por que quando tu mandas o email pra mim tu assinas com teu cargo embaixo?” Respondi dizendo que aquela identificação é padrão dos e-mails da empresa e ela aparece assim que começamos a digitar o email. Ele continuou me provocando: “Cuida, porque como tu mesmo escreveste dia destes, você não é só aquilo que você se identifica no email.” Então... Entendi que eu não sou o tal coordenador de RH que me identificava no email. Na verdade hoje eu “estou” coordenador, por tomar uma decisão de junto com outras pessoas fazer parte daquele determinado time. Amanhã ou num futuro próximo posso deixar a empresa. Exemplo de que apenas "estamos" ocorre quando algumas pessoas são demitidas e sentem que perderam o sobrenome. É comum quando liga-se para algum estabelecimento comercial e depois da identificação do nome, a telefonista questiona: "seu fulando" da onde?... Fica então aquele silêncio... A empresa passou a ser o sobrenome do "fulano". Será que eu "sou" este que se identifica pelo cargo?

 
Observando um pouco mais Hamlet, penso que nossas decisões podem não definir quem somos, mas influencirá consideravelmente em como estaremos e o que viveremos numa determinada etapa da vida, seja logo amanhã ou num futuro mais distante. Em uma época de mudanças constantes e intensas, a insegurança e a dúvida sobre o amanhã e o futuro são sentimentos bem presentes quando tratamos dos processos de mudanças. Este princípio pode ser observado à luz do que Heráclito de Éfeso diz, quando fala da impermanência do homem. Heráclito foi o pensador dialético mais radical da Grécia antiga. Para ele o homem não tem estabilidade alguma, está em constante movimento, modificando-se, mudando. É dele a famosa frase “um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, porque nem o homem nem o rio serão os mesmos. Por vezes sentimos uma sensação de nostalgia quando voltamos a um lugar onde vivemos bons momentos e desejamos  reviver aqueles momentos. Talvez o sentimento da nostalgia seja um estágio anterior ao da frustração, porque certamente não voltaremos a sentir àquela sensação vivenciada outrora, na mesma medida e intensidade. Para não ser acometido constantemente pela nostalgia, denunciadas pelo uso de expressões como:  “naquela empresa eu fazia assim”, “quando fui promovido há 10 anos atrás”, olhando para o passado e achando que somos os mesmos, é importante se reposicionar: É sábio entender que o “ser” pode mudar e esta condição depende também do onde ele pode “estar”. Voltar à pizzaria onde costumava-se namorar, não quer dizer que o casal sempre sentirá o mesmo “friozinho” na barriga de 30 anos atrás. Isto pode acontecer se talvez o par atualize seus discursos, reposicione suas ideias de mundo, do outro e de si mesmo, pois o momento é outro, o “outro” também mudou, e até a pizza não será a mesma. O sabor poderá ser o mesmo ou até melhor, se a boca não estiver dormente pelas reclamações de que não se fazem mais dias como àqueles que se passaram. Passaram meu amigo! Nós estamos em outro dia. Para mim, vale a pena "estar" vivendo o aqui hoje, sem o compromisso do para sempre assim, para poder quem sabe, a vir "ser" um alguém melhor amanhã. Pense nisto!
 
Força e virtude amigos!
 
 
 
Por André Topanotti,  Criciúma/SC,  28/08/2012.

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