
Quando olhamos para a história da ética, vemos que o utilitarismo inglês é o modo dominante da vida contemporânea. Para mim, pessoa um tanto desconfiada de quem passa a vida querendo ser feliz, isso tudo parece "limpinho" como um hospital. Jeremy Bentham (1748-1832), pai do utilitarismo, chegou mesmo a pensar num cálculo utilitário para otimizar a felicidade. O principio utilitário afirma que o homem foge da dor e busca o prazer (o bem-estar). Logo, devemos fazer uma sociedade que vise produzir em larga escala a felicidade, o prazer e o bem-estar. E chegamos ao nosso mundo de gente que sonha em ficar com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar, mas com saúde. A vida e a sociedade dominadas pela busca do bem-estar parecem tornar o homem menos homem.
O cálculo utilitário tem seis passos: 1. Intensidade: o prazer dever ser o mais intenso possível. 2. Duração: o prazer deve durar o máximo de tempo possível. 3. Certeza: cuidado para não produzir um prazer que não é o que você deseja com aquele ato. 4. "Remoticidade" (remoteness): o prazer deve causar efeito imediato ou o mais rápido possível. 5. Fecundidade: o prazer A deve gerar o prazer A1, o A2 e assim por diante. 6. Pureza: cuidado para não gerar desprazer ao invés de prazer. Será que você já não põe isso mais ou menos em prática do seu dia a dia?
Mas, dirão alguns, Bentham era um controlador, porque ele sempre pensava em termos de um centro (expert) controlando a periferia (as pessoas comuns). Bentham ficará conhecido como o utilitarista antidemocrático, sendo John Stuart Mill (1806-1873) o utilitarista democrático. De acordo com este, maior representante da segunda geração de utilitaristas, a sociedade (os indivíduos) deve livremente buscar esse prazer. Mas o que percebemos é que, ainda que Mill falasse muito em liberdade e contra o abuso de poder (cara simpático para a moçada que gosta de falar coisa bonitinha, tipo Obama), não adianta acusar o "centro do poder" de controlador, porque são as próprias pessoas que querem os seis passos para a felicidade de Bentham. Isso cria o efeito de esmagamento típico do puritanismo de massa em que vivemos: saúde e felicidade. Fizéssemos um plebiscito, quase todo mundo escolheria uma gaiola feliz.

Toda liberdade pressupõe riscos, e toda sociedade pautada pela felicidade social não suporta a liberdade. Estamos caminhando a passos largos para uma dessas. Toda a cultura intelectual está infestada de amor à felicidade social e de ódio ao indivíduo. O pesadelo totalitário não passou. Agora ele vem sob o disfarce da opinião pública e da vontade coletiva.
Por Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 10/12/2012
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