Li este texto e confesso que estou muito preocupado com a educação que estamos produzindo e deixando para nossos filhos. Como estou também em sala de aula, o texto de Rosely Saião pôs-me a refleti, e por isto divido com vocês.
Segundo Alfredo Benatto no blog de Aloysio Tiscoski, Rosely Saião é uma batalhadora na educação das crianças e dos jovens. Sempre
muito lúcida. Lucidez em questão de educação é tudo e Rosely é
uma luz neste tunel confuso.
Tenham e façam um ótimo final de semana.
André Topanotti
Por Rosely Saião - Folha de São Paulo
Que as crianças têm cada vez menos infância é um fato já constatado e
conhecido por muita gente. Há mais de 20 anos que teses, ensaios e livros
produzidos por estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento alertam para essa
questão tão importante. Não há dúvida de que foi o mundo que mudou. Muitas
pessoas acreditam que as crianças da atualidade são diferentes porque já nascem
assim: mais conectadas com o que acontece à sua volta, mais cientes do que
querem, mais sabidas e muito menos afeitas à obediência. Mas não. O que acontece, na verdade, é que elas são
estimuladas desde o primeiro minuto de vida, e os adultos que as cercam estão
ocupados demais consigo mesmos e com sua juventude para ter a disponibilidade
de construir autoridade sobre as crianças. Além disso, os adultos estão muito orgulhosos com
os feitos dos filhos que aí estão, cada vez mais, simplesmente para satisfazer
os caprichos dos pais. Tudo -absolutamente tudo- o que acontece no mundo
adulto está escancarado para as crianças. Estão escancarados aos mais novos crimes e
castigos, corrupção na prática política, desumanidades, destruição e violência
de todos os tipos, desde a mais pesada à mais cotidiana (que nem sempre é
reconhecida como uma forma de violência). E as crianças sofrem e sofrem com tudo isso, mas
sem saber. Ainda. Elas ainda não sabem que mais de dez por cento de suas vidas
-a parte que corresponde ao período chamado de infância, no qual poderiam se
dedicar a brincar de maneira infantil- está se esvaindo em consequência dos
caprichos dos adultos.
Para ilustrar esse ponto, vou citar aqui dois fenômenos
recentes. Creio que você já ouviu, caro leitor, a palavra
"periguete". Já está até no dicionário. É uma expressão da linguagem informal, surgida na
periferia da capital baiana, que tem diversos significados, dependendo de quem
a usa e em que contexto. No quesito aparência, o termo se refere a mulheres
que se vestem com roupas curtas, decotadas e muito justas, deixando muito corpo
em exposição. Os trajes usados por essas mulheres são
considerados vulgares, mas há quem não aceite esse sentido. Hoje, temos
estilistas dedicados a criar linhas de roupas com esse perfil, tamanho é o
sucesso que o estilo tem feito com o público feminino. Pois é: agora muitas mães estão vestindo suas
filhas como "periguetes". A garotada gosta de aderir ao personagem
principalmente porque papéis com esse estilo, em novelas, têm tido bastante
destaque e seduzido a criançada. Pudera: corpo à mostra, expressão corporal
exagerada, voz demasiadamente alta tem tudo a ver com criança, não é verdade? O que as crianças desconhecem é o caráter
extremamente erotizado dessa fantasia que elas andam vestindo. Claro que, para as crianças, é apenas o chamado
"look periguete" que importa e não o comportamento de mulheres
adultas que assim se reconhecem. Mas precisamos entender que erotismo é coisa
de gente grande para gente grande. Agora, como se não bastasse travestir crianças
pequenas como "periguetes", muitos pais também as levam a
"baladinhas" com direito a DJ, muita dança, muita gente, pouca
iluminação etc. Igualzinho ao que acontece no mundo adulto. Enlouquecemos ou o quê? Com a expectativa de vida em torno dos 75 anos, por
que não deixamos nossas crianças em paz para que possam viver sua infância?
Afinal, depois de crescidas, elas terão muito tempo para fazer o que é
característico do mundo adulto. Adiantar por quê? Em nome de nossa diversão, só pode ser.
Por: Rosely
Sayão, Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário