Para mim, Luiz Felipe Pondé é um dos mais ácidos e também mais lúcidos escritores contemporâneos que temos no Brasil. Seu "jeitão" polêmico, pode passar por grosseria ou estupidez para os desavisados, porém estupidez pode ser a nossa, quando ao ler Pondé, não respirarmos fundo para sentir o cheiro da sinceridade e da mais cristalina verdade que emana das suas crônicas. "Filosofia de Lavar Louça" é uma dessas sensações únicas e reveladoras que só a leitura de Pondé pode nos proporcionar. Para mim, vale a pena ler e "respirar" este texto.
Vida eterna aos nossos ancestrais!
André Topanotti
Por Luiz Felipe Pondé - Folha de São Paulo
Fala-se muito de como o
"Primeiro Mundo é isso e aquilo". Acho isso papo de vira-lata. Toda vez que você
ouvir alguém falando que a Europa "é outra coisa", você está diante de um
vira-lata rondando a lata de lixo dos outros. A mesma coisa vale para os EUA,
ainda que, nesse caso, vira-latas de esquerda jamais elogiem os EUA, mesmo que
comprem iPads lá. Mas independentemente dessa breguice de
vira-lata querendo fingir que entende de vinhos, há um detalhe na vida europeia
e norte-americana que vale a pena discutir: a vida doméstica e suas
tarefas. Mas, sintomaticamente, os vira-latas nunca
falam disso, porque a própria condição de vira-lata os impede de entender ou
mesmo enxergar esse detalhe. O sonho do vira-lata é fingir que é llhasa apso e
por isso acha que ser um llhasa é desfilar bolsa Prada no JK Iguatemi.

Sempre ouvi os mais velhos dizerem que "o
costume de casa vai à praça" e isso é a mais pura verdade. Além de fazerem sexo
melhor, suspeito também que os mais velhos entendiam bem melhor do que é
essencial, principalmente porque não tinham essa parafernália de ideologia e
outros quebrantos bobos como ferramenta de análise do mundo. Eles observavam a vida sem a presunção de ter
descoberto a chave do mundo, como nossos contemporâneos viciados em "teorias de
gabinete", como dizia Edmund Burke.
Lembro-me bem que minha filha, chegada à França
com cerca de dois anos de idade, chorava porque não podia lavar louça como meu
filho, seu irmão, mais velho do que ela nove anos. Isso é sintomático de muitos
outros pequenos detalhes: para ela, lavar a louça era parte de ser da família.
Meu filho, minha mulher e eu partilhávamos todo o cuidado com a vida cotidiana,
inclusive o cuidado com a caçulinha.
Em países como a França, Alemanha, Israel, EUA
e outros semelhantes, você é responsável por tudo que acontece na sua casa.
Roupa, comida, limpeza, compras, resolução de pequenos problemas logísticos,
enfim, da sustentação da vida. As casas (menos nos EUA, mas ainda assim a
ocupação de espaço é diferente da nossa) são menores e mais simples, mesmo que
com mais parafernália tecnológica, quando você tem condição de tê-la. O que me chama atenção em relação às casas não
é só seu tamanho, mas a ocupação do espaço. No Brasil temos a famosa sala de
visita que, se você "está bem de vida", deve ser completamente inútil e parecer
desocupada. Por isso, sempre suspeito que manter uma parte da casa sem uso é
signo de vira-lata.
As aristocracias antiga e medieval, as únicas
verdadeiras, também não tinham castelos sem uso. Burguês, e aristocracia falida,
com "castelo" na zona leste ou nos Jardins é coisa de "wannabe", como dizem meus
alunos. Goethe, em seu maravilhoso "Os Anos de
Aprendizado de Wilhelm Meister", descreve o que é a casa de um burguês: ter mais
coisas do que precisa e não ter uma relação de uso e necessidade real com os
objetos da casa.

Entre nós, dar "tudo" para os filhos até os 40
anos de idade é signo de sermos bons pais. E com isso preparamos adultos
retardados e com futuras salas de visita cheias de fantasmas de nossa pobreza de
espírito.
Por Luiz Felipe Pondé - Folha de São Paulo
Pura realidade, feliz o Luiz Felipe Pondé que escreveu o que muitos de nós pensamos, mas ficamos calados.
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