
"Um Anjo Pornográfico", título da excelente biografia escrita por Ruy Castro, é uma forma precisa de descrevê-lo. Porque, mesmo sendo pornográfico, ele ultrapassa o discurso sobre sexo para falar do "miserável tédio da carne" que não fala especificamente da carne, mas sim da carne como pele da alma e não do corpo. Seus textos parecem confissões de agonia da alma diante do pecado, na mais velha tradição cristã do começo do cristianismo. Nelson não é um mero autor de sacanagem (Nelson não é um Sade pernambucano), mas sim um autor espiritual, no sentido mais forte da palavra, talvez, o melhor teólogo que o Brasil já produziu, já que nos últimos anos a teologia brasileira é mais autoajuda do que qualquer outra coisa.
Se formos situá-lo na tradição ocidental, eu o colocaria no encontro entre três gigantes: Freud (sexo como centro dilacerante da alma), Dostoiévski (a alma só sobrevive numa atmosfera de misericórdia porque seu elemento natural é o perdão) e Santo Agostinho (a consciência de que todo drama do corpo é em si um drama da alma). A obra rodriguiana faz de Freud um teólogo.
A expressão "Sol sobre o pântano", que descreve muito bem o efeito causado pela montagem de Johana Albuquerque, é um modo presente na fortuna crítica para nomear a obra dramatúrgica de Nelson: sua obra ilumina nossa miséria. A expressão foi usada por Léo Gilson Ribeiro, nos anos 1960, num texto no qual ele diz ser nosso maior dramaturgo um expressionista brasileiro.

No sexo da mulher, o sangue menstrual que escorre pelas suas pernas define sua feminilidade. A mulher é mulher porque sangra e sangra porque pode ser fecundada no coito e, quando não mais sangra, se sente menos mulher.
Este mesmo oráculo que diz que o sexo é uma mijada (afinal, o órgão sexual é o mesmo que mija, tanto no homem como na mulher e na mulher também sangra), enuncia a diferença final entre nós e os animais: "a culpa faz de nós humanos". A dor da alma é que nos mantém de pé.
Se na teologia clássica é dito que só os pecadores verão a Deus, na teologia rodriguiana só os neuróticos verão a Deus.
Por LUIZ FELIPE PONDÉ - Folha de SP - 03/06/2013.
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