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O objetivo deste blog é discutir idéias, expor pontos de vista. Perguntar mais do que responder, expressar mais do que reprimir, juntar mais do que espalhar. Se não conseguir contribuir, pelo menos provocar.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O SILÊNCIO DO DIRETOR

Ouvi uma história muito emocionante e de forte conteúdo existencial contada por um reconhecido profissional e ex-diretor de Recursos Humanos de uma grande empresa no Brasil, que vou chama-lo de Rodrigo para preservar a identidade dos personagens da história, porém baseia-se em fatos reais. Na oportunidade Rodrigo tratou do tema qualidade de vida no novo cenário profissional onde falava da necessidade que as empresas têm nos dias atuais de cuidar melhor de seus profissionais e fez um relato sobre o que vivenciou durante a apresentação de um painel sobre este mesmo tema, qualidade de vida no trabalho, na Universidade de Brasília/DF onde participaram mais dois renomados diretores de duas grandes empresas multinacionais no Brasil.
  
Rodrigo relatou que encerrava sua participação na apresentação do painel, e antes de passar a palavra ao próximo diretor que falaria na sequencia, contou que estava realizando um processo seletivo para uma vaga de gestor e participava desta seleção um profissional muito requisitado da área. No dia da entrevista recebeu o candidato em sua sala de reuniões e colocando o currículo que já tinha avaliado de lado lançou a seguinte pergunta: “Fale-me sem muita formalidade, quem e você?” O candidato começou a responder a pergunta remetendo-se ao seu currículo escolar, ao que espontaneamente foi interrompido pelo entrevistador. "Sim eu sei o que você estudou e onde. Está no seu currículo, mas gostaria de ouvir sobre você." Um pouco tenso o entrevistado retoma a resposta partido desta feita de sua experiência profissional quando mais uma vez é interrompido por Rodrigo que interpela: "Desculpe-me, mas também esta no currículo sua experiência profissional. Falo de você. Quem é você?" Essa pergunta deixou o candidato visivelmente nervoso, que procurando o que dizer, titubeante declarou: "Essa pergunta é muito profunda e difícil de ser respondida.” Ele percebeu então como a história daquele homem que estava sendo entrevistado estava presa ao seu papel existencial de profissional, de modo que fora do contexto empresarial ele tinha grande dificuldade de se identificar com outros papéis. Sua existência possivelmente pode ter sido resumida a função de seu crachá e ao título de seu diploma.

Na filosofia clínica temos tido a oportunidade de entender que em cada ambiente podemos assumir um determinado papel existencial, e a partir deste papel, podemos adotar posturas e pensamentos diferentes em cada um destes papéis, como por exemplo, de pai, professor, aluno, motorista, pedestre torcedor ou vizinho. Podemos funcionar muito bem em um determinado papel e não conseguir ir bem noutro. À medida que o tempo passa e os resultados se repetem em cada papel existencial, a pessoa pode desejar ficar mais tempo atuando dentro de determinada função existencial, do que naquela em que não se identifica, o que leva muitas pessoas tratarem em casa a esposa como secretária, o filho como empregado, o vizinho como concorrente, porque para este indivíduo o papel existencial de empresário, por exemplo, é aquele que ele se identifica e se sente mais seguro, talvez. É claro que este é um exemplo de muitos que podem ser ilustrados.
 
Bem, voltamos para história de Rodrigo, pois ela não terminou na “travada” do seu entrevistado. Encerrada sua palestra, foi chamado o próximo palestrante. Um senhor alto e forte, porte europeu, germânico talvez, de semblante sério e marcante, diretor de uma renomada multinacional. Este distinto senhor sobe ao palco, pega o microfone, o leva até a altura dos lábios e fica por uns 30 intermináveis segundos num silêncio desconcertante. Rodrigo logo pensa: “Há algo de errado com ele...” Mais alguns segundos, um suspiro seco e ouve-se a respiração do diretor através do microfone. Ele então fecha os olhos e inicia sua fala ainda de olhos fechados como tentando resgatar no distante de sua memória alguma cena, e passa enfim a narrar: “Eu sou filho da dona Maria e do seu Claudecir. Filho numero 3 de 4 irmãos. O número 1 é o Francisco, casado com a Fabiana e pai da Melissa e do Wagner, a número 2 é a Maria Aparecida, a titia solteirona da família, eu o número 3 vocês conhecerão um pouco nesta palestra, e a número 4...” ele dá uma breve pausa. “A número 4 é a nossa princesinha.” Concluiu o diretor, e mais uma nova pausa e dessa vez já se percebia a nítida emoção do diretor. “Nossa princesinha nasceu com deficiência mental e durante seus lindos 12 anos de vida, por causa da depressão de meus pais, eu fui o cuidador, o enfermeiro da nossa princesinha. Se hoje estou aqui falando pra vocês sobre gestão de pessoas, é porque os 12 anos que cuidei dela me ensinaram a amar e a respeitar as pessoas como elas são independentes das suas limitações, fazendo-as enquanto estão ao seu lado, experimentarem o melhor de sua vida e alcançarem o máximo do seu potencial. Hoje a princesinha não está mais entre nós.” Naquele auditório em um silêncio quase palpável podia-se sentir os batimentos cardíacos das pessoas. O silêncio era uma resposta perfeitamente audível àquela apresentação tão marcante.

Isto posto gostaria de finalizar com uma questão: Quantas pessoas tão próximas e tão especiais quanto à “princesinha” deste distinto senhor estão escondidas às sombras de nossos papéis existenciais? Quantos avós renegados, mães e pais esquecidos, irmãos, amigos, professores e esposas, que por trás de um pano espesso de um título, de uma posição social ou de uma imagem profissional são decretados ao anonimato egoísta de nossa vaga e pífia lembrança ao invés de ocupar seu verdadeiro espaço na historicidade de cada um de nós?! Quem são os "príncipes ou princesas" da sua história? Eles sabem disto? Honra a quem merece honra, e tributo a quem merece tributo já dizia o apóstolo Paulo, referindo-se a necessidade de reconhecer as pessoas por seu valor único e inafiançável, que pode parecer difícil de pôr em prática, mas com um simples gesto pode valer muito mais do que se pode imaginar. Para mim, vale a pena tentar.












Forte abraço e uma ótima quarta feira.
 
Por André Topanotti – Criciúma/SC – 23/05/2012



8 comentários:

  1. Falar do Ser Humano já é complexo, imagine expressar numa entrevista o que realmetne somos, é amplo demais, a percepção do outro nem sempre é necessariamente a expressão ou imagem que gostariamos de deixar..

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  2. Realmente é complexo. O ponto em cheque a destacar aqui não se trata apenas dos outros nos resumirem a um determinado significado e interpretação. O que precisamos cuidar enquanto "pessoa" é nós mesmos nos resumir e nos "fechar" em um determinado papel existencial.

    Muito obrigado por participar Kamila! Abraço!

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  3. Parabéns Dé!

    Foi o texto com que mais me identifiquei até agora! De fato, muitas vezes encarnamos o "profissional", e deixamos de lado valores e pessoas muito importantes à nossa formação.

    Talvez até por culpa do nosso modelo atual - muita correria, muita dívida pra pagar... Enfim, a realidade do mercado de trabalho.

    Abraço!

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  4. Obrigado Neto pela participação.

    Este refletir nos remete a valorizar os poucos e simples momentos que temos com nossos queridos. Assim como a inadequada postura num determinado papel existencial pode causar-nos danos, como o profissional por exemplo, não assumir outros também é um problema.

    Sigamos firmes e continue nos "seguindo".

    Forte Abraço!

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  5. Maravilhosa esta historia Andre, realmente nas empresas em geral nos deparamos com atores que se apresentam em papeis profissionais onde eles conseguem em parte serem realizados e felizes, fora dessa cenário vem o dia a dia, família, casamento, filhos, problemas e onde muitas vezes não são completos e por isso preferem não comentar a respeito e esquecer esses momentos não tao felizes.

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    1. Muito obrigado por participar com sua opinião.

      Forte abraço!

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  6. Muito boa a matéria André, realmente muitos profissionais definem suas vidas, não pelos seus atos como cidadão,filho, pai e amigo, mas, pelas suas realizações profissionais. Meu pai tem uma maxima que diz "O homem que esquece de onde veio, não sabe pra onde vai"...ou seja, nossa verdadeira essência esta em nossas raizes.

    Cleber

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