Ouvi
uma história muito emocionante e de forte conteúdo existencial contada por um reconhecido
profissional e ex-diretor de Recursos Humanos de uma grande empresa no Brasil,
que vou chama-lo de Rodrigo para preservar a identidade dos personagens da
história, porém baseia-se em fatos reais. Na oportunidade Rodrigo tratou do
tema qualidade de vida no novo cenário profissional onde falava da necessidade
que as empresas têm nos dias atuais de cuidar melhor de seus profissionais e fez
um relato sobre o que vivenciou durante a apresentação de um painel sobre este
mesmo tema, qualidade de vida no trabalho, na Universidade de Brasília/DF onde participaram mais dois renomados diretores de duas grandes
empresas multinacionais no Brasil.
Rodrigo relatou que encerrava sua participação
na apresentação do painel, e antes de passar a palavra ao próximo diretor que
falaria na sequencia, contou que estava realizando um processo seletivo para uma vaga de
gestor e participava desta seleção um profissional muito requisitado da área.
No dia da entrevista recebeu o candidato em sua sala de reuniões e colocando o currículo
que já tinha avaliado de lado lançou a seguinte pergunta: “Fale-me sem muita formalidade, quem
e você?” O candidato começou a responder a pergunta remetendo-se ao seu
currículo escolar, ao que espontaneamente foi interrompido pelo entrevistador. "Sim eu sei o que você estudou e onde.
Está no seu currículo, mas gostaria de ouvir sobre você." Um pouco
tenso o entrevistado retoma a resposta partido desta feita de sua experiência
profissional quando mais uma vez é interrompido por Rodrigo que interpela: "Desculpe-me, mas também esta no currículo
sua experiência profissional. Falo de você. Quem é você?" Essa
pergunta deixou o candidato visivelmente nervoso, que procurando o que dizer,
titubeante declarou: "Essa pergunta é muito profunda e difícil de ser
respondida.” Ele percebeu então como a história daquele homem que estava sendo
entrevistado estava presa ao seu papel existencial de profissional, de modo que fora do contexto empresarial ele tinha
grande dificuldade de se identificar com outros papéis. Sua existência
possivelmente pode ter sido resumida a função de seu crachá e ao título de seu
diploma.
Na filosofia clínica temos tido a
oportunidade de entender que em cada ambiente podemos assumir um determinado
papel existencial, e a partir deste papel, podemos adotar posturas e
pensamentos diferentes em cada um destes papéis, como por exemplo, de pai,
professor, aluno, motorista, pedestre torcedor ou vizinho. Podemos funcionar
muito bem em um determinado papel e não conseguir ir bem noutro. À medida que o
tempo passa e os resultados se repetem em cada papel existencial, a pessoa pode
desejar ficar mais tempo atuando dentro de determinada função existencial, do
que naquela em que não se identifica, o que leva muitas pessoas tratarem em
casa a esposa como secretária, o filho como empregado, o vizinho como
concorrente, porque para este indivíduo o papel existencial de empresário, por
exemplo, é aquele que ele se identifica e se sente mais seguro, talvez. É
claro que este é um exemplo de muitos que podem ser ilustrados.
Bem, voltamos para história de Rodrigo,
pois ela não terminou na “travada” do seu entrevistado. Encerrada sua palestra,
foi chamado o próximo palestrante. Um senhor alto e forte, porte europeu,
germânico talvez, de semblante sério e marcante, diretor de uma renomada
multinacional. Este distinto senhor sobe ao palco, pega o microfone, o leva até
a altura dos lábios e fica por uns 30 intermináveis segundos num silêncio
desconcertante. Rodrigo logo pensa: “Há
algo de errado com ele...” Mais alguns segundos, um suspiro seco e ouve-se
a respiração do diretor através do microfone. Ele então fecha os olhos e inicia
sua fala ainda de olhos fechados como tentando resgatar no distante de sua
memória alguma cena, e passa enfim a narrar: “Eu sou filho da dona Maria e do seu Claudecir. Filho numero 3 de 4 irmãos.
O número 1 é o Francisco, casado com a Fabiana e pai da Melissa e do Wagner, a
número 2 é a Maria Aparecida, a titia solteirona da família, eu o número 3
vocês conhecerão um pouco nesta palestra, e a número 4...” ele dá uma breve
pausa. “A número 4 é a nossa princesinha.”
Concluiu o diretor, e mais uma nova pausa e dessa vez já se percebia a nítida
emoção do diretor. “Nossa princesinha
nasceu com deficiência mental e durante seus lindos 12 anos de vida, por causa
da depressão de meus pais, eu fui o cuidador, o enfermeiro da nossa princesinha.
Se hoje estou aqui falando pra vocês sobre gestão de pessoas, é porque os 12 anos
que cuidei dela me ensinaram
a amar e a respeitar as pessoas como elas são independentes das suas
limitações, fazendo-as enquanto estão ao seu lado, experimentarem o melhor de sua vida e alcançarem o máximo do
seu potencial. Hoje a princesinha não está mais entre nós.” Naquele auditório em um silêncio quase palpável podia-se sentir os
batimentos cardíacos das pessoas. O silêncio era uma resposta perfeitamente audível àquela apresentação
tão marcante.
Isto posto gostaria de finalizar com uma
questão: Quantas pessoas tão próximas e tão especiais quanto à “princesinha”
deste distinto senhor estão escondidas às sombras de nossos papéis
existenciais? Quantos avós renegados, mães e pais esquecidos, irmãos, amigos,
professores e esposas, que por trás de um pano espesso de um título, de uma
posição social ou de uma imagem profissional são decretados ao anonimato egoísta
de nossa vaga e pífia lembrança ao invés de ocupar seu verdadeiro espaço na
historicidade de cada um de nós?! Quem são os "príncipes ou princesas" da sua história? Eles sabem disto? Honra a quem merece honra, e tributo a quem
merece tributo já dizia o apóstolo Paulo, referindo-se a necessidade de
reconhecer as pessoas por seu valor único e inafiançável, que pode parecer difícil
de pôr em prática, mas com um simples gesto pode valer muito mais do que se pode
imaginar. Para mim, vale a pena tentar.
Forte
abraço e uma ótima quarta feira.
Por André
Topanotti – Criciúma/SC – 23/05/2012
Falar do Ser Humano já é complexo, imagine expressar numa entrevista o que realmetne somos, é amplo demais, a percepção do outro nem sempre é necessariamente a expressão ou imagem que gostariamos de deixar..
ResponderExcluirRealmente é complexo. O ponto em cheque a destacar aqui não se trata apenas dos outros nos resumirem a um determinado significado e interpretação. O que precisamos cuidar enquanto "pessoa" é nós mesmos nos resumir e nos "fechar" em um determinado papel existencial.
ResponderExcluirMuito obrigado por participar Kamila! Abraço!
Parabéns Dé!
ResponderExcluirFoi o texto com que mais me identifiquei até agora! De fato, muitas vezes encarnamos o "profissional", e deixamos de lado valores e pessoas muito importantes à nossa formação.
Talvez até por culpa do nosso modelo atual - muita correria, muita dívida pra pagar... Enfim, a realidade do mercado de trabalho.
Abraço!
Obrigado Neto pela participação.
ResponderExcluirEste refletir nos remete a valorizar os poucos e simples momentos que temos com nossos queridos. Assim como a inadequada postura num determinado papel existencial pode causar-nos danos, como o profissional por exemplo, não assumir outros também é um problema.
Sigamos firmes e continue nos "seguindo".
Forte Abraço!
Maravilhosa esta historia Andre, realmente nas empresas em geral nos deparamos com atores que se apresentam em papeis profissionais onde eles conseguem em parte serem realizados e felizes, fora dessa cenário vem o dia a dia, família, casamento, filhos, problemas e onde muitas vezes não são completos e por isso preferem não comentar a respeito e esquecer esses momentos não tao felizes.
ResponderExcluirMuito obrigado por participar com sua opinião.
ExcluirForte abraço!
Muito boa a matéria André, realmente muitos profissionais definem suas vidas, não pelos seus atos como cidadão,filho, pai e amigo, mas, pelas suas realizações profissionais. Meu pai tem uma maxima que diz "O homem que esquece de onde veio, não sabe pra onde vai"...ou seja, nossa verdadeira essência esta em nossas raizes.
ResponderExcluirCleber
Muito obrigado pela contribuição Cleber.
ExcluirEstamos juntos!